Saúde
deflagra ‘caça’ aos viciados em crack
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Diário Web
São José do Rio Preto - Simone Machado e Victor Augusto
Implantado há quatro meses em Rio Preto, o projeto Consultório de Rua “caça” usuários de crack pelos arredores do terminal rodoviário, vias e becos da periferia da cidade para lhes oferecer tratamento e chance de libertação do vício. Nesse período, cerca de 200 dependentes químicos já foram identificados em 1,4 mil atendimentos realizados e dez pessoas internadas em centros de recuperação.
O programa idealizado pelo Ministério da Saúde é desenvolvido pela
Prefeitura de Rio Preto, que já recebeu um repasse de R$ 150 mil para ser
investido na guerra contra o crack. O trabalho da equipe, formada por oito
profissionais - um psicólogo, duas enfermeiras, cinco agentes de redução de
danos e um ônibus consultório - é arduo pois os usuários de cocaína e crack
são os mais resistentes à aproximação dos agentes e ao tratamento.
O primeiro contato com os drogados é o mais complicado e requer muito
cuidado e persistência por parte dos agentes do Consultório de Rua. Os
técnicos explicam que se aproximar de um grupo de moradores de rua é como se
estivesse invadindo a residência deles. Sob efeito da droga, muitos se tornam
violentos e não aceitam a aproximação dos agentes. De longe já fazem sinais
que não querem ser perturbados. O segredo é deixar os mais arredios de lado
num primeiro momento e tentar cativá-los nas visitas seguintes.
Na última segunda-feira, o Diário acompanhou o trabalho de uma das
equipes na Praça Rui Barbosa, na região central e, no momento da abordagem,
presenciou dois grupos de usuários de crack discutindo. A briga foi marcada
por correria e guerra de pedras. Os agentes se afastaram e aguardaram a
situação amenizar para continuar o trabalho.
Aqueles que permitem a aproximação dos agentes encontram neles um
amigo. Assuntos como recaídas, vício, direitos humanos e doenças sexualmente
transmissíveis são os mais conversados. Durante o diálogo surge o convite
para o morador seguir até o Ônibus de Rua, onde é atendido por uma enfermeira
e uma psicóloga, mas apesar da oportunidade de tratamento receptividade não é
das melhores.
De cada 30 abordagens apenas 10 aceitam a ajuda. “É um trabalho de
persistência, às vezes nas primeiras abordagens eles são ásperos, nos agridem
verbalmente, mas com o tempo conseguimos criar um laço de amizade com eles e
conseguimos conduzi-los ao tratamento. Nunca sofremos agressão física”, diz o
agente de redução de danos, Thiago Leandro Gabriel Christal.
Jossilvânio de Moraes Santos, 26 anos, chegou a Rio Preto há três
meses. Desde que deixou sua casa, em Mendonça, ele mora na rua, nas
proximidades do terminal rodoviário. Usuário de crack e de álcool, ele
relutou, mas aceitou a ajuda dos agentes de redução de danos na terceira
abordagem. Lá recebe acompanhamento do Consultório de Rua e foi encaminhado
ao CAPS-AD. “Uso crack e quando não consigo a droga fumo um ‘back’, uma mistura
de cocaína com dipirona. Nem sei há quanto tempo estou nessa. Tenho vontade
de sair dessa vida, mas preciso de ajuda”, confidencia Santos.
Projeto
aborda crianças da periferia
Brincadeiras simples mas que revelam muito sobre o ambiente familiar
das crianças moradoras dos bairros atendidos pelo projeto. Recortes, desenhos
e uma conversa descontraída rendem vários relatos de abandono, maus-tratos,
abusos e uso de entorpecente pelos pais e familiares. É dessa forma que os
agentes redutores de danos identificam o perfil das crianças e traçam o plano
de trabalho. Depois os agentes vão até os pais e iniciam o tratamento da
família.
“Vamos à casa dessas crianças e conversamos com os pais. Normalmente
conseguimos identificar muitos problemas de comportamento, uso de álcool,
desemprego e outras situações. Daí fazemos os encaminhamentos para os
serviços públicos”, explica o psicólogo Gilson Gomes Coelho.
Lúdico
O psicólogo oferece às crianças atividades lúdicas para que possam
desenvolver a lateralidade, conhecimento do corpo e memória. De acordo com
ele, noções essenciais para que os pequenos possam contar como vivem.
“Durante as atividades conversamos sobre noções de higiene e de acordo
com a idade, falamos sobre sexo e uso de drogas, explicando os problemas que
essas drogas podem trazer para suas vidas. O papo com os jovens depende muito
da idade e do comportamento do grupo, sempre falamos sobre esses temas, mas
respeitando sempre o ritmo de cada um. Esse é um trabalho muito importante de
prevenção. Desta forma podemos evitar que essas crianças e jovens tornem-se
futuros usuários de drogas”, diz Coelho.
A
equipe do Diário acompanhou um desses atendimentos com as crianças. ”Elas
adoram essas atividades e nem percebem que estamos na verdade fazendo uma
entrevista socioeconômica com elas. Eles aprendem brincando”, afirma Coelho.
Eu quero me internar’
O travesti Leandro Moreira Fernades, 29 anos, não titubeou. Bastou a
equipe do Consultório de Rua se aproximar para ele procurar os funcionários.
“Moro na rua há um mês e meio e procurei eles (agentes de redução de danos)
após sofrer um ferimento na perna. Além do tratamento médico, procuro também
me livrar do vício do crack e da maconha. Minha vontade mesmo era conseguir
uma internação”, explicou Fernandes, enquanto era atendido por uma enfermeira
no ônibus instalado no terminal rodoviário.
Atitudes como a de Leandro, segundo os agentes, são raras. A maioria
fica abrigada longe da luz e das pessoas. Nos casos em que as pessoas buscam
o tratamento, eles recebem um acompanhamento psicológico e são encaminhados
ao Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPS - AD). No CAPS ele é
atendido e inicia o tratamento. Caso o médico perceba que precisa de
internação, o paciente pode ser encaminhado para o Hospital Psiquiátrico Bezerra
de Menezes ou para o Centro Integrado de Atenção Psicossocial, localizado em
Schmitt.
“Para
haver internação tem que ter um laudo médico sobre a necessidade e a
autorização do usuário. Casos de internação compulsória não temos nenhum
registrado pelo programa”, explica a coordenadora Daniela Pavan Terada. Em
cada um dos cinco pontos que os agentes percorrem são encontrados públicos
com costumes e perfis diferentes. De acordo com o agente de redução de danos,
Matheus José da Silva, nas proximidades da rodoviária, por exemplo, é comum
ver traficantes, prostitutas, moradores de rua, idosos e viajantes. “Fazer
esse perfil do público é importante para sabermos como agir com cada um
deles”, explica.
Consultório atende 50 a cada noite
O Consultório de Rua de Rio Preto atende uma média de 50 pessoas por
noite. Desses, apenas um terço admite que faz uso de entorpecentes. No caso
específico do crack, de cada 30 atendimentos, apenas 10 confessam que são
dependentes, explica a coordenadora do Centro de Apoio Psicossocial - Álcool
e Drogas (CAPS - AD), Daniela Pavan Terada.
“A maioria dos nossos atendimentos é de usuários de álcool e maconha,
drogas consideradas mais leves, mais suscetíveis ao tratamento. Os usuários
de crack e cocaína são os mais arredios, embora todos respeitem muito o nosso
trabalho porque sabem que estamos ali para ajudar. Mas, caso não queiram, não
podemos obrigá-los a nada”, explica a coordenadora. Segundo ela, os que
rejeitam a aproximação dos agentes é porque têm medo de represálias ou então não
querem ser tratados.
Pontos
críticos
Atualmente, o Consultório de Rua “caça” usuários de crack em quatro
pontos críticos da cidade identificados após um mapeamento prévio. São eles:
Rodoviária, Escola de Competências - ECO - do bairro Santo Antonio, bairro
Jardim Maria Lúcia e o Centro Esportivo Jambolão, no Solo Sagrado.
Em cada um desses pontos os agentes oferecem orientações aos usuários
de drogas sobre noções de higiene, doenças sexualmente transmissíveis,
cuidados com a saúde, apoio psicológico e/ou psiquiátrico. São atendidos
dependentes de crack, cocaína, maconha, álcool e tabaco.
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