sábado, 21 de janeiro de 2012

Consultório de rua "caça" usuários de crack em Rio Preto


Saúde deflagra ‘caça’ aos viciados em crack


Diário Web São José do Rio Preto - Simone Machado e Victor Augusto

Implantado há quatro meses em Rio Preto, o projeto Consultório de Rua “caça” usuários de crack pelos arredores do terminal rodoviário, vias e becos da periferia da cidade para lhes oferecer tratamento e chance de libertação do vício. Nesse período, cerca de 200 dependentes químicos já foram identificados em 1,4 mil atendimentos realizados e dez pessoas internadas em centros de recuperação.
O programa idealizado pelo Ministério da Saúde é desenvolvido pela Prefeitura de Rio Preto, que já recebeu um repasse de R$ 150 mil para ser investido na guerra contra o crack. O trabalho da equipe, formada por oito profissionais - um psicólogo, duas enfermeiras, cinco agentes de redução de danos e um ônibus consultório - é arduo pois os usuários de cocaína e crack são os mais resistentes à aproximação dos agentes e ao tratamento.
O primeiro contato com os drogados é o mais complicado e requer muito cuidado e persistência por parte dos agentes do Consultório de Rua. Os técnicos explicam que se aproximar de um grupo de moradores de rua é como se estivesse invadindo a residência deles. Sob efeito da droga, muitos se tornam violentos e não aceitam a aproximação dos agentes. De longe já fazem sinais que não querem ser perturbados. O segredo é deixar os mais arredios de lado num primeiro momento e tentar cativá-los nas visitas seguintes.
Na última segunda-feira, o Diário acompanhou o trabalho de uma das equipes na Praça Rui Barbosa, na região central e, no momento da abordagem, presenciou dois grupos de usuários de crack discutindo. A briga foi marcada por correria e guerra de pedras. Os agentes se afastaram e aguardaram a situação amenizar para continuar o trabalho.
Aqueles que permitem a aproximação dos agentes encontram neles um amigo. Assuntos como recaídas, vício, direitos humanos e doenças sexualmente transmissíveis são os mais conversados. Durante o diálogo surge o convite para o morador seguir até o Ônibus de Rua, onde é atendido por uma enfermeira e uma psicóloga, mas apesar da oportunidade de tratamento receptividade não é das melhores.
De cada 30 abordagens apenas 10 aceitam a ajuda. “É um trabalho de persistência, às vezes nas primeiras abordagens eles são ásperos, nos agridem verbalmente, mas com o tempo conseguimos criar um laço de amizade com eles e conseguimos conduzi-los ao tratamento. Nunca sofremos agressão física”, diz o agente de redução de danos, Thiago Leandro Gabriel Christal.
Jossilvânio de Moraes Santos, 26 anos, chegou a Rio Preto há três meses. Desde que deixou sua casa, em Mendonça, ele mora na rua, nas proximidades do terminal rodoviário. Usuário de crack e de álcool, ele relutou, mas aceitou a ajuda dos agentes de redução de danos na terceira abordagem. Lá recebe acompanhamento do Consultório de Rua e foi encaminhado ao CAPS-AD. “Uso crack e quando não consigo a droga fumo um ‘back’, uma mistura de cocaína com dipirona. Nem sei há quanto tempo estou nessa. Tenho vontade de sair dessa vida, mas preciso de ajuda”, confidencia Santos.
Projeto aborda crianças da periferia
Brincadeiras simples mas que revelam muito sobre o ambiente familiar das crianças moradoras dos bairros atendidos pelo projeto. Recortes, desenhos e uma conversa descontraída rendem vários relatos de abandono, maus-tratos, abusos e uso de entorpecente pelos pais e familiares. É dessa forma que os agentes redutores de danos identificam o perfil das crianças e traçam o plano de trabalho. Depois os agentes vão até os pais e iniciam o tratamento da família.
“Vamos à casa dessas crianças e conversamos com os pais. Normalmente conseguimos identificar muitos problemas de comportamento, uso de álcool, desemprego e outras situações. Daí fazemos os encaminhamentos para os serviços públicos”, explica o psicólogo Gilson Gomes Coelho.
Lúdico
O psicólogo oferece às crianças atividades lúdicas para que possam desenvolver a lateralidade, conhecimento do corpo e memória. De acordo com ele, noções essenciais para que os pequenos possam contar como vivem.
“Durante as atividades conversamos sobre noções de higiene e de acordo com a idade, falamos sobre sexo e uso de drogas, explicando os problemas que essas drogas podem trazer para suas vidas. O papo com os jovens depende muito da idade e do comportamento do grupo, sempre falamos sobre esses temas, mas respeitando sempre o ritmo de cada um. Esse é um trabalho muito importante de prevenção. Desta forma podemos evitar que essas crianças e jovens tornem-se futuros usuários de drogas”, diz Coelho.
A equipe do Diário acompanhou um desses atendimentos com as crianças. ”Elas adoram essas atividades e nem percebem que estamos na verdade fazendo uma entrevista socioeconômica com elas. Eles aprendem brincando”, afirma Coelho.

Eu quero me internar’
O travesti Leandro Moreira Fernades, 29 anos, não titubeou. Bastou a equipe do Consultório de Rua se aproximar para ele procurar os funcionários. “Moro na rua há um mês e meio e procurei eles (agentes de redução de danos) após sofrer um ferimento na perna. Além do tratamento médico, procuro também me livrar do vício do crack e da maconha. Minha vontade mesmo era conseguir uma internação”, explicou Fernandes, enquanto era atendido por uma enfermeira no ônibus instalado no terminal rodoviário.
Atitudes como a de Leandro, segundo os agentes, são raras. A maioria fica abrigada longe da luz e das pessoas. Nos casos em que as pessoas buscam o tratamento, eles recebem um acompanhamento psicológico e são encaminhados ao Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPS - AD). No CAPS ele é atendido e inicia o tratamento. Caso o médico perceba que precisa de internação, o paciente pode ser encaminhado para o Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes ou para o Centro Integrado de Atenção Psicossocial, localizado em Schmitt.
“Para haver internação tem que ter um laudo médico sobre a necessidade e a autorização do usuário. Casos de internação compulsória não temos nenhum registrado pelo programa”, explica a coordenadora Daniela Pavan Terada. Em cada um dos cinco pontos que os agentes percorrem são encontrados públicos com costumes e perfis diferentes. De acordo com o agente de redução de danos, Matheus José da Silva, nas proximidades da rodoviária, por exemplo, é comum ver traficantes, prostitutas, moradores de rua, idosos e viajantes. “Fazer esse perfil do público é importante para sabermos como agir com cada um deles”, explica.

Consultório atende 50 a cada noite
O Consultório de Rua de Rio Preto atende uma média de 50 pessoas por noite. Desses, apenas um terço admite que faz uso de entorpecentes. No caso específico do crack, de cada 30 atendimentos, apenas 10 confessam que são dependentes, explica a coordenadora do Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPS - AD), Daniela Pavan Terada.
“A maioria dos nossos atendimentos é de usuários de álcool e maconha, drogas consideradas mais leves, mais suscetíveis ao tratamento. Os usuários de crack e cocaína são os mais arredios, embora todos respeitem muito o nosso trabalho porque sabem que estamos ali para ajudar. Mas, caso não queiram, não podemos obrigá-los a nada”, explica a coordenadora. Segundo ela, os que rejeitam a aproximação dos agentes é porque têm medo de represálias ou então não querem ser tratados.
Pontos críticos
Atualmente, o Consultório de Rua “caça” usuários de crack em quatro pontos críticos da cidade identificados após um mapeamento prévio. São eles: Rodoviária, Escola de Competências - ECO - do bairro Santo Antonio, bairro Jardim Maria Lúcia e o Centro Esportivo Jambolão, no Solo Sagrado.
Em cada um desses pontos os agentes oferecem orientações aos usuários de drogas sobre noções de higiene, doenças sexualmente transmissíveis, cuidados com a saúde, apoio psicológico e/ou psiquiátrico. São atendidos dependentes de crack, cocaína, maconha, álcool e tabaco.

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