quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Depressão: uma doença incapacitante

A depressão que gera incapacidade de                        trabalhar                                                                 
Consultor Jurídico - Nexo causal
Por Roberto Moscatello
A depressão é uma doença comum e que causa significante morbidade clínica, mortalidade (suicídio), perda da qualidade de vida, diminuição do funcionamento nas atividades diárias, no trabalho, desempenho escolar, nos relacionamentos conjugais e familiares e sociais. Estima-se que entre 5% e 11% da população total dos Estados Unidos tenha depressão. É considerada a quarta doença incapacitante em comparação com outras doenças e projeta-se que será a segunda doença mais incapacitante em 2020.
Existem vários subtipos de depressão: unipolar, bipolar, sazonal, psicótica, endógena (melancolia), neurótica ou reativa, atípica, crônica (distimia) e recorrente e secundária. Com o tratamento há redução de custos e da perda da produtividade no trabalho. Poucos deprimidos recebem cuidados adequados ou demoram para iniciar tratamento. É associada com significante diminuição do funcionamento social, menor qualidade de vida e declínio no funcionamento social. Há associação entre precária situação sócio-econômica e aumento das taxas de depressão. É menos comum na zona rural do que nas regiões urbanas. Tem alto risco de recorrência e possibilidade de cronicidade.
Os episódios depressivos podem ser únicos ou múltiplos e de graus leve, moderado e grave. Usualmente está associada com outros transtornos mentais (transtornos de ansiedade e de personalidade e uso de drogas e álcool).
São considerados fatores de risco para depressão: história familiar, precoces eventos adversos na vida (trauma, abuso sexual e físico, negligência), perda dos pais por separação ou morte, comorbidades (associação com outros transtornos mentais) e eventos negativos e estressantes na vida (relacionamentos interpessoais, família, saúde, situação financeira, trabalho, etc.).
Segundo a CID-10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Organização Mundial de Saúde), em relação à Depressão: “O indivíduo usualmente sofre de humor deprimido, perda de interesse e prazer, energia reduzida levando a uma fatigabilidade e cansaço marcante após esforços apenas leves é comum. Outros sintomas comuns são: a) concentração e atenção reduzidas; b) autoestima e autoconfiança reduzidas; c) ideias de culpa e inutilidade; d) visões desoladas e pessimistas do futuro; e) ideias ou atos autolesivos ou suicídio; f) sono perturbado; g) apetite diminuído.”
Em relação à depressão, segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders — fourth edition — 1994 da Associação Psiquiátrica Americana), são considerados critérios diagnósticos cinco(ou mais) dos seguintes sintomas que estejam presentes durante no mínimo 15 dias e representam uma mudança de funcionamento prévio; no mínimo um dos sintomas é humor deprimido ou perda de interesse ou prazer: 1. humor deprimido a maior parte do dia (sentir-se triste ou vazio); 2. interesse ou prazer acentuadamente diminuído; 3. significante perda ou ganho de peso; 4. insônia ou sonolência; 5. agitação ou retardo psicomotor; 6. fadiga ou perda de energia; 7. sentimento de baixa autoestima ou culpa inapropriada ou excessiva; 8. diminuição da habilidade para pensar ou concentrar ou indecisão; 9. pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida ou tentativa de suicídio.
Na presença de alucinações (percepções irreais da audição e visão, como por exemplo ouvir vozes e ter visões) e ideias delirantes (comumente de culpa, ruína ou niilista) a depressão é chamada psicótica. Os sintomas causam significante diminuição do funcionamento social e ocupacional.
Pesquisa da OIT ( Organização Internacional do Trabalho) concluiu que nos EUA a depressão afeta uma décima parte dos trabalhadores adultos; na Finlândia mais de 50% dos trabalhadores sofrem de estresse, ansiedade, depressão e insônia; na Alemanha a depressão causa mais incapacidade do que doenças físicas; no Reino Unido quase três em dez trabalhadores sofrem anualmente de problemas de saúde mental, principalmente depressão.
Um estudo da Organização Mundial de Saúde concluiu que a depressão é responsável por mais incapacidade do que qualquer outra condição médica durante as idades 30-50 anos de idade. Depressão e Transtorno Afetivo Bipolar estão entre as 10 causas de incapacidade durante a vida em homens e mulheres nos países desenvolvidos e emergentes.
A depressão resulta em perdas econômicas devido desempenho insuficiente no trabalho, absenteísmo, queda de produtividade, hospitalização, uso de medicamentos e consultas ambulatoriais. Comumente se torna uma doença crônica e associada com declínios e aspectos negativos em múltiplos aspectos da performance no trabalho. É muito comum entre os trabalhadores.
Um estudo epidemiológico americano em uma determinada região daquele país (ECA) revelou que a depressão foi associada com 27 vezes mais chances de perda do trabalho devido problemas emocionais comparados com outros transtornos mentais avaliados e 44% dos trabalhadores deprimidos perderam um ou mais dias de trabalho pelos problemas emocionais nos últimos três meses.
Um outro estudo americano revelou que a depressão foi associada com um risco significativo não somente para dias ausentes no trabalho, mas também com desempenho insuficiente quando a pessoa foi trabalhar. Foi considerada uma das cinco doenças mais incapacitantes em termos de perda de emprego e mais prevalente.
São considerados fatores de risco de natureza ocupacional: natureza orgânica (exposição à produtos neurotóxicos, tais como, brometo de metila, chumbo, manganês, mercúrio, sulfeto de carbono, tolueno, tricloroetileno, etc.) e psicossocial (decepções sucessivas em situações de trabalho frustrante, exigências excessivas de desempenho, ameaças de perda do lugar na hierarquia da empresa, perda do posto de trabalho, assédio moral, demissão, situações de desemprego prolongado). Há um risco maior das mulheres apresentarem depressão nos ambientes de trabalho.
Segundo o livro Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde — 2001 — OPAS/OMS de 2001 no capítulo 10 “Transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho (Grupo V da CID 10)”, os episódios depressivos são mais frequentes em digitadores, operadores de computadores, datilógrafos, advogados, educadores especiais e consultores. Muitas vezes, faltas ao trabalho não justificadas são a primeira manifestação percebida pelos familiares ou colegas, chefes ou empregadores. Quando um episódio depressivo é relacionado ao trabalho, esse comprometimento pode ser mais precoce e mais evidente, uma vez que os fatores afetivos envolvidos na depressão estão no trabalho, como, por exemplo, a perda de um posto de chefia ou outra mudança repentina na hierarquia de uma organização.
O tratamento da depressão consiste no uso de antidepressivos por no mínimo 6-9 meses no primeiro episódio da doença e se os episódios se tornarem recorrentes, o tempo de uso da medicação pode ser indeterminado e prolongado. Quando a depressão não responde ao uso de medicamentos antidepressivos com mecanismos de ação ou classes químicas diferentes a depressão é chamada de resistente (isto pode ocorrer em 30% dos deprimidos) e em tais situações recorre-se ao uso de associação de dois antidepressivos de classes químicas diferentes ou associa-se ao uso de lítio, hormônio tireoideo e antipsicótico atípico (medicamentos de nova geração como aripiprazol, quetiapina ou olanzapina) ou ainda estimulação magnética transcraniana e eletroconvulsoterapia. Outros tratamentos mais recentes e realizados em outros países são estimulação cerebral profunda e estimulação do nervo vago. Entre as psicoterapias, a terapia cognitivo-comportamental é a que tem se mostrado mais eficaz e principalmente em combinação com o uso de antidepressivos.
É considerada incapacidade laborativa qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência ou disfunção: qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica) da capacidade para realizar uma atividade de uma maneira que seja considerada normal para o ser humano ou esteja dentro do espectro considerado normal.
A incapacidade pode ser temporária ou permanente e parcial ou total. Diante de um episódio depressivo grave a incapacidade será temporária e total. Se os episódios depressivos forem recorrentes, com internações prévias, tentativas de suicídio e refratariedade terapêutica a incapacidade laborativa poderá ser considerada permanente e parcial ou total. A pessoa apresentando episódio depressivo leve tem alguma dificuldade em continuar trabalhando, mas provavelmente não irá parar suas funções completamente e, por isso, não apresentará incapacidade laborativa. No episódio depressivo moderado, usualmente a pessoa terá dificuldade considerável em continuar trabalhando e provavelmente será considerada ter incapacidade laborativa temporária.
Em relação ao nexo causal entre a depressão e o trabalho, será solicitada por via judicial uma perícia psiquiátrica e que deverá analisar os antecedentes familiares e pessoais da pessoa avaliada, seu histórico ocupacional, exames físico e psíquico, estudo da organização do trabalho e relacionamento com os chefes e outros funcionários, local e estrutura do posto de trabalho, exposição a substâncias tóxicas e estressores psicossociais no trabalho (excesso de atividades, pressão de tempo, cobranças exageradas de metas e produtividade, humilhações e ofensas, trabalho repetitivo ou entediante, etc.).
São imprescindíveis informações dos familiares, pessoas conhecidas e colegas de trabalho ou chefes do periciado e relatórios psiquiátricos (médico assistente) e /ou psicológicos quando estiverem presentes. Exames complementares (laboratoriais, neuroimagem, testes psicológicos e aplicações de Escalas para Depressão) podem ser necessários. Segundo a classificação de Schilling para as doenças relacionadas ao trabalho, no Grupo I estão as doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças profissionais strictu senso e pelas intoxicações profissionais agudas. No Grupo II estão as doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário, exemplificadas por todas as doenças com distribuição na população geral, mas mais frequentes ou mais precoces em determinados grupos profissionais. No Grupo III estão as doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou seja, concausa.
Os episódios depressivos podem ser enquadrados no Grupo I ou III da Classificação de Schilling. O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) também pode ser utilizado para o estabelecimento do nexo causal entre o trabalho e a doença, como quando ocorrer uma incidência elevada de uma doença em uma determinada atividade profissional.
Roberto Moscatello é psiquiatra forense, perito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria e membro da American Academy of Psychiatry and the Law.






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