“Não é
porque usa droga que alguém vai cometer crimes”
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Rafael
Vianna, delegado da Polícia Civil e mestre em Ciências Jurídico-Criminais
GRPcom
- Felippe
Anibal
O delegado Rafael Vianna está longe de ser um pessimista. Mas, em seu
recém-lançado livro Diálogos Sobre Segurança Pública, ele manda um recado
quase subliminar: se a sociedade não repensar seu papel, o Estado civilizado
chegará ao fim. A preocupação vai desde o papel da polícia até as políticas
de segurança baseadas no combate às drogas.
Vianna adota uma posição lúcida – e de certa forma ousada – ao afirmar
textualmente que os entorpecentes não causam a criminalidade e que o Estado
erra na luta contra o tráfico: “A maioria dos traficantes presos são usuários
que vendiam droga para comprar droga”, diz.
Para ele, a polícia não consegue resolver tudo: quanto mais serviço
ela tiver, mais ineficaz será. No livro, o delegado traz ainda orientações
simples de prevenção ao crime aos cidadãos.
O seu
livro traz várias dicas de segurança em artigos com uma linguagem acessível.
A segurança é algo simples?
Atitudes simples e práticas podem contribuir de alguma forma para a
segurança pública. Mudanças no comportamento das pessoas também. Mas
segurança pública, como um todo, é algo muito mais complexo. Essa é a grande
dificuldade: existem diversas ações e propostas, mas muitas vezes não
conseguimos visualizar o todo. Então, acaba que a segurança pública fica como
uma colcha de retalhos.
Você
subdivide a segurança pública em três áreas...
A primeira grande área são as questões existenciais, os valores da
sociedade. É responder a perguntas como “qual o sentido da vida?”. Se um
jovem não enxergar sentido na vida, a segurança pública não vai ter solução.
A segunda é a de prevenção situacional do crime. Entram aí tanto a atuação
policial, quanto o endurecimento dos alvos. Ou seja, a vítima contribuindo
para diminuir as vulnerabilidades. A terceira área é a investigação que precisa
ser feita de forma rápida e efetiva. Se atuarmos só em uma dessas áreas, não
adianta. Essas três áreas precisam caminhar juntas.
Sempre
que se fala em segurança vem à tona a questão das drogas. O senhor acha que o
peso das drogas está superdimensionado ou, de fato, elas são o grande mal do
século 21?
Estudos criminológicos e pesquisas revelam que a droga não é
necessariamente a causa do crime. Não é uma relação de causa e efeito, é uma
relação processual. Não é porque a pessoa consome drogas que ela pratica
crimes. Também está descartado que os efeitos farmacológicos causados no
cérebro levem algum indivíduo a cometer um crime.
Que
efeito têm as políticas de segurança voltadas exclusivamente ao combate às
drogas?
É preciso perguntar por que as pessoas usam drogas. Se a vida e a
convivência social não tiverem sentido para uma pessoa não vai ter nada de
anormal para ela usar droga. Outro fator é de que maneira combater as drogas.
Será que, com a polícia combatendo com preponderância o tráfico de drogas,
estamos atingindo os resultados que esperamos? A maioria dos traficantes
presos são usuários que vendem drogas para consumir a própria droga. Então
será que uma política de saúde pública não seria mais efetiva para uma
sociedade do que a simples e pura ilusão da erradicação?
Qual o
papela da família no combate ao crime e às drogas?
Enquanto o jovem não ver sentido na vida, utilizar drogas ou cometer
um crime, não vai ter problema algum para ele. Se estivermos num barco à
deriva, qual o problema de consumirmos drogas ou praticarmos um crime? A
família deve discutir isso com os jovens. Enquanto não for discutido isso,
não adianta agirmos só com polícia, porque não vai ter solução. Sempre vão
chegar novos jovens nessas situações, que serão potenciais criminosos. A polícia
nunca vai resolver o problema da segurança pública se não houver participação
das famílias.
Uma
parcela significativa da sociedade defende o recrudescimento das leis e da
atuação da polícia. Como vê essa questão?
Quanto maior for a atribuição da polícia, ou seja, quanto mais tipos
de crimes tiver de investigar e combater, acho que mais ineficaz a polícia
será. Uma polícia que combate tudo, que tem que prevenir tudo, acaba que não
combate nada, que não previne nada e os crimes ficam impunes. E a impunidade
também gera criminalidade. Mas não podemos ficar no discurso vazio de que as
penas deveriam ser mais graves, porque a gravidade de uma pena não significa
nada no fator efetividade. É mais importante a pessoa ter a certeza de que
vai encontrar a pena se cometer um crime, do que a gravidade. Se todos que
cometerem um tipo de crime encontrarem punição, aí sim, o sistema cumpre sua
função.
Por que
o subtítulo do livro é O fim do Estado civilizado?
Porque se a sociedade não repensar qual o sentido que ela espera como
sociedade, que sentido ela quer dar para sua existência, o Estado vai chegar
ao fim e, infelizmente, vamos entrar no caos.
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