Licença do trabalho para tratar dependência química aumenta 24,4%
Entre
2007 e 2010, afastamento anual passa de 27.517 para 36.434 casos. Especialistas
exergam mudança de postura empresarial
Fernanda Aranda, iG
São Paulo
As estatísticas de
afastamento trabalhistas por “dependência química”, crescem ano a ano. Entre 2007 e 2010, dados calculados pelo iG no
banco do Ministério da Previdência Social mostram aumento de 24,47% deste tipo
de licença, espalhadas entre trabalhadores de todas as categorias: escritórios,
fábricas, escolas, construção civil e serviço público.
Os especialistas são categóricos ao afirmar que a régua não indica
ampliação do número de viciados no ambiente de trabalho.“É uma mudança de
paradigma empresarial”, avalia Jarbas Simas, presidente da Sociedade Brasileira
de Perícias Médicas.
“Antes o uso de álcool ou de
qualquer outra droga por um funcionário era tido como motivo exclusivo de
demissão. Aos poucos, as empresas passam a encarar como um problema de saúde
que exige olhar médico e não de punição”, completa Simas.
Há três meses, a funcionária pública Lúcia, 52 anos, acreditava ter como
destino certo a demissão. A mão trêmula que denunciava a falta da bebida
alcoólica - logo às 7h30 – a impedia de assinar, com firmeza, os relatórios profissionais.
Na hora do almoço, estendia um pouco o retorno para dar três tragos em uma
garrafa de pinga. A ressaca, companheira de todas as manhãs, fez com que
faltasse repetidas vezes ao expediente.
Em vez de demitida, Lúcia ganhou da chefe licença por tempo indeterminado
para tratar o alcoolismo. Foi para a clínica Lacan, mantida pela Unifesp e o
Grupo de Saúde Bandeirantes. Semana que vem, Lúcia deve ter alta. Voltar ao
trabalho é um próximo passo. Ela vai ocupar o mesmo cargo mas, pela primeira
vez em anos, “sóbria”.
“Meus filhos há tempos me alertavam sobre o uso exagerado de bebida, mas
só quando o alerta partiu da minha chefe, a ficha caiu”, avalia Lúcia. “O meu
maior sonho agora é que as pessoas deixem de me encarar só como uma bêbada e
irresponsável. Quero que voltem a me ver como alguém dedicada, mas que
luta contra uma doença”, informou.
O álcool, de fato, é a substância isolada mais usada pelos profissionais
que recebem licença por 15 dias ou mais para tratar a dependência química. Ele
representa 33,2% dos 36.434 afastamentos concedidos em 2010, seguido pela
cocaína, com 16,1%. Mas no ranking de auxílios-doença por uso de drogas é a
mistura de vários entorpecentes a que lidera as razões para os trabalhadores
ausentarem-se. No ano passado, 17.642 afastamentos foram acumulados, duas
licenças por hora.
O coquetel de drogas que desencadeia a dependência afeta não só pacientes
como médicos especializados, que estão em busca de interferências eficazes para
tratar a mistura.
A abordagem e o tratamento, afirma a psiquiatra da Universidade Federal de
São Paulo, Alessandra Diehl, são mais complicados quando a fissura é despertada
tanto por álcool, cocaína, quanto por crack ou qualquer outra. Para ela, o
múltiplo uso é reflexo da sociedade atual, mais ansiosa. “Para conseguir
efeitos cada vez mais intensos e cada vez mais rápidos, eles usam de tudo,
misturado, em uma só noite”, afirma.
O uso combinado de várias substâncias também influencia o maior risco de
overdose e um novo mapeamento divulgado, no início da semana, pela Fundação
Oswaldo Cruz (FioCruz), indica que as intoxicações por drogas estão em plena
ascensão. Em 2000, foram registrados 1.634 casos de envenenamento. Já em 2009,
foram 4.526 registros, aumento de 176%.
A relação com o trabalho
O uso de drogas e álcool sempre é associado aos ambientes festivos e aos
compromissos de final de semana, mas a coordenadora terapêutica Ana Cristina
Fulini – que atua na Clínica Maia especializada no acolhimento de dependentes
químicos, diz que o hábito tem uma forte ligação com os compromissos
profissionais.
“A cultura do happy hour é um dos
exemplos. Executivos e executivas também fecham negócios e a bebida alcoólica
faz parte deste cenário. O ponto positivo é que temos já o encaminhamento de
pacientes via empresa. Isto é muito positivo”, avalia Fulini.
Renigio Todeschini – diretor do departamento de saúde do trabalhador do
Ministério da Previdência, acrescenta que “parte dos casos de dependência
química pode ser vista como desencadeada pela organização e a condição de
trabalho”. “Em um clima de pressão e ritmo intenso, o trabalhador pode procurar
a compensação em uma substância psicoativa e acreditar, erroneamente, que este
alívio pode vir com o uso de droga.”
As quase 37 mil licenças trabalhistas para o tratamento da dependência
química registradas no ano passado são referentes ao total de afastamentos,
chamados de previdenciários. Existem ainda os casos denominados acidentários,
que configuram os afastamentos por doenças provocadas, exclusivamente, pelas
condições trabalhistas.
Estes registros também estão em alta. Em 2006, foram 612 licenças por
transtorno mental, grupo de causas em que a dependência está incluída,
concedidas pelo Ministério da Previdência. No ano passado, o número ampliou 20
vezes e chegou a 12.150 casos.
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