Como
apagar o desejo de consumir drogas
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Jornal
O Estado de S. Paulo
Fernando
Reinach - O Estado de S.Paulo
Cada vez que trazemos à consciência uma lembrança, ela passa a ter maiores
chances de se manter em nossa memória. Cada vez que você se lembra do
telefone da sua mãe, a memória do número é reforçada no seu cérebro. Se uma
memória não é trazida à consciência, aos poucos ela vai se perdendo.
Há
menos de um ano foi descoberto que o processo de trazer à consciência uma
lembrança pode ser dividido em duas etapas. Na primeira, a informação é
"copiada" para a consciência; na segunda, a informação, que está na
consciência, é "reescrita" na nossa memória. Esse processo de
"reescrever" apaga parcialmente a memória anterior e a substitui
pela nova versão. É devido a esse fato que as memórias mudam com o tempo.
Cada vez que elas são relembradas existe a chance de elas serem
"reescritas" de forma ligeiramente modificada. Isso faz com que as
memórias fiquem frágeis (sujeitas a modificação) por um breve período de
tempo (alguns minutos), durante o qual elas estão sendo
"reescritas" no nosso cérebro.
Essa
descoberta abriu a possibilidade de modificar ou apagar memórias
desagradáveis, conforme foi relatada na coluna de 5 de janeiro ("Como
apagar memórias sem deixar traços").
Agora,
um grupo de cientistas chineses e norte-americanos demonstrou que é possível
apagar da memória de ratos lembranças relacionadas ao consumo de cocaína e
heroína e dessa maneira diminuir o desejo de consumir drogas. E, mais
impressionante, repetiram o experimento em pessoas dependentes de heroína e
demonstraram que esse procedimento também é capaz de reduzir o desejo dos
pacientes de consumir a droga.
O
experimento em ratos é muito simples. Eles foram habituados a viver em uma
gaiola com dois ambientes (diferentes formatos e diferentes pisos). Os ratos
receberam durante 8 dias doses frequentes da droga. Sempre que recebiam uma
dose eram colocados no ambiente 1 por algumas horas. Assim eles se habituaram
a sentir os efeitos da droga nesse ambiente 1 o qual associaram ao
recebimento da droga, ficando mais tempo nessa parte da gaiola. Por mais que
eles fossem colocados no ambiente 2, eles insistiam em voltar para o local
onde poderiam receber a droga. Após dois dias sem acesso à droga, os ratos
receberam uma única dose e foram colocados brevemente no ambiente 1 (este
passo do experimento tem como função trazer para a memória as experiências
relacionadas ao consumo da droga). Em seguida, eles foram divididos em três
grupos. No primeiro grupo, os cientistas esperaram 10 minutos e colocaram os
ratos no ambiente 2. No segundo grupo, os cientistas esperaram 1 hora antes
de colocar os ratos no ambiente 2;. E, no terceiro grupo, a espera foi
aumentada para 6 horas. Nos três casos, os ratos foram forçados a ficar 45
minutos no ambiente 2 (essa etapa tem como função fazer eles esquecerem a
associação entre a droga e o ambiente 1). Dias depois os ratos foram soltos
na gaiola com dois ambientes para testar se eles ainda preferiam o ambiente 1
(associado ao consumo de droga). O resultado foi claro. Os ratos que haviam
sido submetidos ao ambiente 2 logo após receberam a droga (grupo de 10
minutos), haviam esquecido a associação entre o ambiente 1 e a droga,
deixando de preferir o ambiente 1. Mas se a exposição ao ambiente 2 ocorria
duas ou seis horas depois da experiência de receber a droga, a memória que
associava o ambiente 1 às drogas não era apagada e os animais continuavam a
preferir o ambiente 1. Isso demonstra que é possível remover a associação
entre o ambiente 1 e o consumo da droga.
Experimento
semelhante foi feito com ratos treinados para se autoinjetar drogas e o mesmo
efeito, de apagar as associações de consumo de droga, foi obtido.
Um
procedimento semelhante foi utilizado em 66 pacientes dependentes de heroína.
Neste caso, o estímulo capaz de trazer à memória as lembranças relacionadas
ao consumo da droga foi a apresentação de um filme de 5 minutos contendo
cenas explícitas de consumo de droga. Quando apresentados ao filme, os
pacientes reportavam um desejo muito alto de consumir a droga, um aumento no
batimento cardíaco e na pressão sanguínea. Mas, se nos 10 minutos seguintes
ao filme, os pacientes fossem colocados em contato com diversos objetos
associados ao consumo de droga (como seringas, cachimbos e agulhas), mas na
ausência da droga propriamente dita, a memória que era "reescrita"
nos seus cérebros deixava de conter a lembrança da sensação causada pela
heroína. Nos dias subsequentes estes pacientes, quando submetidos ao mesmo
filme já não sentiam tanta vontade de consumir a droga e sua pressão e
batimentos cardíacos não subiam tanto. O estímulo visual de pessoas
consumindo drogas já não despertava um desejo tão forte.
Estes
resultados são impressionantes pois mostram que um método relativamente
simples e não invasivo pode alterar memórias associadas ao consumo de drogas
e consequentemente o desejo de consumir drogas.
* MAIS INFORMAÇÕES: A MEMORY
RETRIEVAL-EXTINCTION PROCEDURE TO PREVENT DRUG CARVING AND RELAPSE. SCIENCE VOL. 336 PAG. 241 2012
FERNANDO
REINACH
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