Internação compulsória e
discriminação na saúde podem ser formas de tortura, diz especialista da ONU
março 11, 2013 em Destaques por Gabriele
Carvalho
da ONU Brasil
Relator especial apresentou relatório em Genebra alertando para
práticas abusivas em todo mundo como detenção compulsória em condições médicas,
violações dos direitos reprodutivos, negação de tratamento contra a dor e
discriminação contra pessoas com deficiência psicossocial e outros grupos
marginalizados.
Os chamados centros de tratamento de drogas ou centros de
‘reeducação através do trabalho’ podem se tornar locais para a prática da
tortura e de maus-tratos, além de serem em muitos casos instituições controladas
por forças militares ou paramilitares, forças policiais ou de segurança, ou
ainda empresas privadas.
O alerta foi feito nesta terça-feira (5) pelo Relator Especial da ONU sobre a tortura, Juan. E.
Méndez, que propôs um debate internacional sobre os abusos em cuidados de
saúde, que podem atravessar um limiar de maus-tratos equivalentes à tortura ou
a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
“É comum a internação compulsória de
usuários de drogas em supostos centros de reabilitação. Em alguns países, há
relatos de que uma vasta gama de outros grupos marginalizados, incluindo
crianças de rua, pessoas com deficiência psicossocial, profissionais do sexo,
pessoas desabrigadas e pacientes com tuberculose, sejam detidos nesses
centros”, afirmou Méndez.
“Cuidados médicos que causam grande
sofrimento sem nenhuma razão justificável podem ser considerados um tratamento
cruel, desumano ou degradante, e se há envolvimento do Estado e intenção
específica, é tortura”, alertou Méndez durante a apresentação do seu mais
recente relatório para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que ilustra
algumas dessas práticas abusivas de cuidados de saúde e lança luz sobre
práticas abusivas muitas vezes não detectadas apoiadas por políticas de saúde.
O relatório inovador analisa todas as formas de abuso rotulados como
“tratamento de saúde”, que tentam ter como premissa ou justificativa políticas
de saúde. Ele também identifica o âmbito das obrigações do Estado de regular,
controlar e fiscalizar as práticas de cuidados de saúde, com objetivo de prevenir maus-tratos sob qualquer pretexto, as
políticas que promovem essas práticas e as lacunas de proteção existentes.
“Existem desafios únicos em parar os maus-tratos nos
tratamentos de saúde devido, entre outras coisas, a uma percepção de que,
apesar de nunca justificadas, certas práticas de cuidados de saúde podem ser
defendidas pelas autoridades por motivos de eficiência administrativa,
modificação de comportamento ou necessidade médica”, ressaltou o especialista.
Em seu relatório, Méndez explora
um entendimento novo de diferentes formas de abusos contra os pacientes e
indivíduos sob supervisão médica. Saiba abaixo:
Detenção compulsória em condições
médicas
“É comum a internação compulsória de usuários de drogas em
supostos centros de reabilitação. Às vezes chamados de centros de tratamento de
drogas ou de centros ou campos de ‘reeducação através do trabalho’, estas são
instituições geralmente controladas por forças militares ou paramilitares,
forças policiais ou de segurança, ou empresas privadas.”
“Em alguns países, há relatos de que uma vasta gama de
outros grupos marginalizados, incluindo crianças de rua, pessoas com
deficiência psicossocial, profissionais do sexo, pessoas desabrigadas e
pacientes com tuberculose, sejam detidos nesses centros.”
Violações dos direitos reprodutivos
“Os exemplos de tais violações incluem o tratamento abusivo
e humilhação em contextos institucionais de esterilização involuntária; negação
de serviços de saúde legalmente disponíveis, como aborto e pós-aborto;
esterilizações e abortos forçados; mutilação genital feminina; violações de
sigilo e confidencialidade médica em contextos de saúde, como denúncias de
mulheres feitas por pessoal médico quando uma evidência de aborto ilegal é
encontrada; e a prática de tentar obter confissões como condição de
potencialmente fornecer tratamento médico para salvar vidas após um aborto.”
Negação de tratamento contra a dor
“Os governos devem garantir medicamentos essenciais – que
incluem, entre outros, analgésicos opioides – como parte de suas obrigações
mínimas essenciais sob o direito à saúde, bem como tomar medidas para proteger
as pessoas sob sua jurisdição de tratamento desumano e degradante.”
Pessoas com deficiência psicossocial
“Abusos graves, como negligência, abuso físico e mental e
violência sexual, continuam a ser cometidos contra pessoas com deficiência
psicossocial e pessoas com deficiência intelectual em situações de cuidados de
saúde.”
“Não pode haver nenhuma justificativa terapêutica para o
uso de confinamento solitário e restrição prolongada para pessoas com
deficiência em instituições psiquiátricas; tanto a reclusão prolongada quanto a
contenção podem constituir tortura e maus-tratos.”
“A institucionalização não consensual, imprópria ou
desnecessária de indivíduos pode constituir tortura ou maus-tratos, bem como o
uso da força para além do que é estritamente necessário.”
Grupos marginalizados
“Há relatos de pessoas que vivem com HIV/aids sendo
recusadas por hospitais, sumariamente exoneradas, tendo acesso negado a
serviços médicos a menos que aceitem a esterilização, e tendo recebido
atendimento médico tanto de má qualidade quanto degradante e prejudicial para o
seu já frágil estado de saúde.”
“Uma forma particular de maus-tratos e possivelmente
tortura a usuários de drogas é a negação de tratamento de substituição por
opiáceos, inclusive como uma forma de extrair confissões criminosas através da
indução de sintomas dolorosos de abstinência.”
“Há uma abundância de relatos e depoimentos de pessoas
lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transsexuais tendo tratamento médico
negado, sendo submetidas a abuso verbal e humilhação pública, avaliação
psiquiátrica, uma variedade de procedimentos tais como a esterilização forçada,
exames anais forçados patrocinados pelo Estado para confirmar suspeitas de
atividades homossexuais, e exames de virgindade invasivos realizados por
profissionais de saúde, terapias hormonais e cirurgias genitais normalizadoras
sob o pretexto de chamadas ‘terapias reparativas’.”
“As pessoas com deficiência são particularmente afetadas
por intervenções médicas forçadas e continuam a ser expostas a práticas médicas
não consensuais. As mulheres que vivem com deficiência, com rótulos
psiquiátricos em particular, estão sob risco de múltiplas formas de
discriminação e abuso em cuidados de saúde.”
Para o relator especial, o significado de categorizar os
abusos em tratamentos de saúde como a tortura e maus-tratos, assim como
examinar estes abusos a partir de uma ótica de proteção à tortura, “oferece a
oportunidade para solidificar o entendimento dessas violações e destacar as
obrigações positivas que os Estados têm de prevenir, reprimir e corrigir tais
violações”.
O relatório será discutido em um evento paralelo sobre
“Prevenção a tortura e maus-tratos em cuidados de saúde”.
Acesse o relatório na íntegra,
em inglês, em http://bit.ly/ZcZXRm
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