sexta-feira, 3 de junho de 2011

Opinião: Falta estrutura para descriminalizar as drogas!

Falta estrutura para descriminalizar as drogas


Governo brasileiro é incapaz de mudar lei que trata usuários de entorpecentes como criminosos, política que será defendida hoje por um grupo de especialistas em Nova York. Precariedade do sistema de saúde está entre os entraves
Correio Braziliense – Caderno Brasil - Renata Mariz 
Da Holanda, onde em 1976 os coffeshops já vendiam maconha, ao México, que há menos de dois anos permitiu a posse de pequenas quantidades de drogas, são muitos os exemplos internacionais a serem estudados pelo Brasil no debate sobre o combate aos entorpecentes. Seja qual for o caminho seguido, entretanto, o país não tem estrutura para descriminalizar, a curto prazo, o uso de substâncias ilícitas, diretriz mundial que será defendida, hoje, em Nova York, pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas, da qual faz parte o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A precariedade do sistema de saúde, colocado em primeiro plano por todas as políticas que deixaram de considerar o consumidor de drogas um criminoso, é o principal entrave no contexto brasileiro, apontado por especialistas como atrasado inclusive dentro da América Latina.
“Não se muda política relacionada a drogas como se muda a taxa de juros. É preciso que o Brasil forme uma comissão para debater, de maneira séria, as alterações. E comece fazendo experiências pontuais”, afirma Walter Maierovitch, jurista e titular da Secretaria Nacional Antidrogas entre 1998 e 1999. Ele ressalta que, caso o Brasil decida pela descriminalização do uso de drogas, será preciso formular uma política de tratamento a dependentes para que a saúde pública seja o mote das novas ações. “Hoje, os locais de atendimento nem estão presentes e, onde há, são precários", diz Maierovitch.
Os números do Ministério da Saúde, atualizados em janeiro passado, corroboram a avaliação do especialista. Há apenas 258 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) especializados para dependentes químicos. Em nove estados, a cobertura nacional é classificada pela própria entre regular e baixa: de 0,20 a 0,49 Caps por 100 mil habitantes. O constitucionalista Luiz Flávio Gomes também destaca a urgência de garantir políticas de tratamento aos dependentes no lugar de criminalizá-los. “Os juízes nem aplicam mais as penas previstas na lei, que vão de advertência a frequência em tratamento. Advertem e mandam a pessoa embora. Então, na prática, acabou o artigo 28”, afirma o jurista, referindo-se à parte da legislação brasileira de drogas que elenca punição aos usuários.

Sanções
Melhor do que as medidas que não funcionam na prática, segundo Gomes, seria copiar o que fazem países europeus e até latino-americanos. “Eles preveem sanções administrativas, que podem ser multa, perda de algum direito, como dirigir, por exemplo. Mas não um processo penal”, diz o jurista. Maierovitch também considera a lei brasileira equivocada. “O governo Lula, ao mudar a lei para evitar que o usuário de drogas vá para a cadeia, pregou falaciosamente que estava descriminalizando o consumo. É mentira. A legislação continua colocando o carimbo de criminoso no usuário, que responde a uma ação penal”, destaca o ex-secretário nacional antidrogas.
Ele sugere que, nas experimentações rumo à verdadeira descriminalização, o país faça experiências na área de redução de danos. “As nações europeias já usam o pill testing, que é levar agentes de saúde às aglomerações de jovens, longe da polícia, para testar a pureza das drogas sintéticas, informar sobre eventuais aditivos, fazer conscientização. Nossas ações para reduzir danos restringem-se ainda à distribuição de seringas”, lamenta.

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