O cinema vai à terapia
Filmes que abordam doenças são utilizados por médicos como ferramenta terapêutica com pacientes
Fernanda Aranda, iG São Paulo
Primeiro, foram as doenças mentais que aguçaram diretores e invadiram os enredos dos filmes. Agora, é o cinema que vai à terapia para ajudar no tratamento dos espectadores.
Ainda que a dependência química, por exemplo, seja fio condutor tanto da interpretação do ator de Hollywood quanto do homem comum que acabou pedindo esmola no semáforo, os especialistas sabem que é mais rápido – porém não menos doloroso – olhar no espelho e enxergar uma celebridade que frequenta o tapete vermelho do que atestar semelhança com um mendigo maltrapilho.
“Os filmes são ferramentas terapêuticas porque são excelentes mecanismos de identificação”, afirma a psiquiatra e amante da sétima arte, Fátima Vasconcellos. Ela que é coordenadora do departamento de psicoterapia da Associação Brasileira de Psiquiatria diz que os enredos cinematográficos fazem "cair a ficha" da família e do portador sobre transtornos psíquicos da vida real.
“Muitas pessoas só descobriram o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) quando o problema foi interpretado por Jack Nicholson em Melhor é Impossível (filme de 1997). Outros tiveram consciência sobre a esquizofrenia com Russell Crowe em uma Mente Brilhante (2001)”, lembra a psiquiatra. “São dois exemplos bárbaros que viraram demanda para o tratamento e discussão. Saíram do anonimato, o que é o primeiro passo para combater preconceito e diagnóstico tardio”, completa.
Os aclamados “Cisne Negro” e “O Vencedor” são candidatos ao Oscar deste ano. Ainda que não ganhem as estatuetas douradas, os filmes já conquistaram a atenção dos terapeutas. O primeiro por abordar o exagero da busca pelo perfeccionismo da bailarina. O segundo por trazer o crack para as telonas.
“Não vejo a hora de ‘o Vencedor’ estar disponível em DVD para levá-lo para a terapia de grupo”, diz a psiquiatra especializada em álcool e drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Alessandra Dihel.
Adepta e entusiasta da chamada “videoterapia”, Alessandra diz que a utilização do cinema como suporte terapêutico não só promove a discussão como ajuda os próprios especialistas a identificarem fragilidades que podem culminar em recaídas.
“Já assisti aos filmes inúmeras vezes (ela lista mais de 20 como sugestões), sei os diálogos de cor e salteado, mas sempre ao final deles algum paciente me surpreende com uma avaliação que eu nunca tinha tido”, comenta a médica. “É neste contexto que aparecem as fragilidades, as relações conflituosas, os assuntos não superados. São reações que direcionam qual caminho seguir e trabalhar na terapia individual”, diz.
“Meu nome não é João”
Estas sensações, por vezes inesperadas, dos pacientes/espectadores é o que faz os especialistas recomendarem as “sessões terapêuticas” sempre acompanhadas de respaldo médico. O filme Meu nome não é Johnny é emblemático para esta importância, diz Alessandra Diehl.
Os “Joãos” da vida real, quando assistem ao longa brasileiro, são muito tocados pela transformação que o tráfico pode fazer na vida de qualquer um, inclusive de alguém da classe média. Mas a overdose de cenas que mostram a cocaína como protagonista incomoda. “Principalmente os pacientes do sexo masculino costumam reagir com sensações de fissura ou que despertam síndrome de abstinência. É um aspecto que precisa ser trabalhado.”
Caminho inverso
Por saber que cada pessoa é sensibilizada de formas distintas pelos filmes é que a psicóloga do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), prefere fazer o caminho inverso na utilização terapêutica do cinema. Os tumores malignos também são freqüentes nos enredos – como exemplo temos Lado a Lado, Doce Novembro, Antes de Partir e Invasões Bárbaras - e, em maioria,quando o câncer entra em cena não é retratado de forma científica e sem perder o caráter comercial, adverte Renata.
“Este motivo faz com que, em nenhum momento, a indicação de um filme seja um padrão terapêutico”, diz a especialista do Graac. “Na clínica até abordamos os conteúdos dos filmes seja desde que os pacientes ou os familiares tragam esta demanda. Isso não é proposto pelo psicólogo até porque as reações pessoais são imprevisíveis.”
A ressalva feita pela especialista é que o que poderia ser só um mecanismo de identificação pode tornar-se um gatilho de mais estresse para o paciente e familiares já fragilizados.
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