Internação compulsória de menores dependentes abre polêmica no Rio
Especialistas se dividem sobre medida anunciada pela Prefeitura; Justiça estadual vai se pronunciar sobre a decisão
Flávia Salme, iG Rio de Janeiro | 02/06/2011 09:20
Internar compulsoriamente crianças e adolescentes dependentes de drogas foi a última ação da Prefeitura carioca no combate aos danos provocados por substâncias como o crack. A regulamentação, publicada nesta segunda-feira (30), no Diário Oficial do Município, determina que menores apreendidos em "cracolândias" fiquem internados para tratamento médico, mesmo contra sua própria vontade ou a de seus familiares. As crianças só receberão alta depois que estiverem livres do vício.
Especialistas se dividem.
“Isso me parece inconstitucional. É um ato autoritário que viola a autonomia e a liberdade”, avalia Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “Não pode haver uma medida geral e genérica para decidir sobre internações compulsórias. Sobretudo a de crianças”, opina o jurista. “A Justiça vai ter que decidir caso a caso. E a criança, ou o menor, em questão precisará ter um defensor público à disposição”, complementa.
Embora polêmica, a medida também recebe apoio. “O tratamento compulsório sempre foi uma questão delicada. Mas como o crack é uma droga de alto risco, acho que pode ser recomendado, sim, desde que haja uma indicação médica”, avalia a psicanalista Ivone Ponczekc, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “E, claro, essa internação não deve resultar em uma ação policialesca”, ressalta.
Aberta a discussão, as opiniões divergem. “O menor não tem condições e maturidade para decidir por si só sobre o tratamento. Apoio a decisão de internar compulsoriamente”, defende uma assistente social que há 21 anos trabalha em abrigos públicos na capital fluminense. “A reforma psiquiátrica de 2001 (Lei nº 10.216) é muito clara sobre internação compulsória: só determinada pela Justiça”, rebate uma psicóloga especializada em álcool e drogas que há 20 anos trabalha com menores de rua em situação de risco na cidade de São Paulo.
A profissional pede para não ser identificada por atuar em uma ONG que tem convênio com a Prefeitura paulista, e diz que, por isso, não quer “se meter em polêmica”. Porém, ela afirma que recebeu com cautela a decisão do Rio de Janeiro. “Acho muito delicado pensar em internação compulsória e executá-la sem ferir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Os direitos devem estar garantidos e a responsabilidade do tratamento deve vir atrelada aos pais ou ao responsável por essa criança”, defende.
Justiça e MP falam sobre a medida nesta quinta-feira
Para esclarecer a decisão e pôr fim ao debate, a juíza titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, Ivone Caetano, concede uma entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira (2) no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acompanhada da promotora Ana Cristina Ruth Macedo, titular da Promotoria de Tutela Coletiva e Políticas Públicas do Ministério Público estadual, além do secretário de Assistência Social da Prefeitura, Rodrigo Bethlem.
Estudos da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) mostram que desde 2005 o número de menores viciados em crack começou a crescer na capital fluminense, quando saltou de 13% para 69% em 2008 – dados do último levantamento. As crianças trocaram a cola de sapateiro e o tíner pela mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio.
Pelo novo protocolo de abordagem divulgado pela Prefeitura, os menores que “na avaliação de especialistas, estiveram comprometidos com o uso do crack e outras drogas psicoativas deverão ter os responsáveis identificados, bem como o Conselho Tutelar e as Varas da Infância deverão ser comunicados”.
A resolução também determina que todas as crianças e adolescentes acolhidos à noite, "independente de estarem ou não sob a influência do uso de drogas", não poderão sair do abrigo até o dia seguinte.
O secretário de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, já informou que, após o tratamento, as crianças que não tiverem condições de serem reinseridas em suas famílias, serão encaminhadas para a adoção.
“Me parece uma decisão fora do lugar. Como você obriga a pessoa a fazer tratamento para algo que não tem cura?”, questiona um educador que trabalha em abrigos atendendo crianças de rua. “Em princípio, sem conhecer como se dará essa internação compulsória, acho que pode resultar numa violência muito grande. Faz o quê? Interna e medica com Respiridona (antipsicótico atípico usados em transtornos psiquiátricos e no tratamento de dependentes químicos)? E vai acontecer o quê, a criança vai ficar chapada, sem fazer nada? Acho perigoso. A internação só serve quando a pessoa quer, tem força de vontade para isso”, diz o educador.
No Rio, as crianças que forem avaliadas como dependentes serão levadas para a Casa Viva, no bairro de Laranjeiras, zona sul da capital. Inaugurado no último dia 24, o espaço tem capacidade para tratar 25 crianças e adolescentes entre 8 e 14 anos de idade.
Os dados sobre a população de rua estão desatualizados. Um novo trabalho está em fase de execução, informa a Secretaria de Assistência Social. Com base no último levantamento, a Pesquisa Nacional de População em Situação de Rua, divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Social em 2008, a SMAS estima em 4,8 mil pessoas morando nas ruas da capital. Deste total, de acordo com o levantamento, 76% são homens – dos quais 71% deles têm entre 12 e 17 anos.
118 pontos de crack em toda a cidade do Rio de Janeiro
A SMS acrescenta, com base em um mapeamento concluído em 2009, que existem 118 pontos de crack em toda a cidade. A zona norte lidera este ranking com 64 pontos de concentração de usuários contra 31 na zona oeste, 12 na zona sul e 11 no centro.
Relatório do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) mostra que em 2010 a apreensão de crack no Estado chegou a 199,2 kg, mais que o dobro do que foi apreendido em 2009: 79,7 kg.
Os estudos da secretaria indicam que 58% dos moradores de rua saíram de casa em consequência de vícios como alcoolismo e consumo de drogas. O conflito familiar é a segunda causa (26%), seguida do desemprego (10%), violência na comunidade (4), e trabalho infantil (2%).
Atualmente, a Prefeitura conta com 53 abrigos, sendo 25 deles públicos e outros 28 conveniados pela rede SUAS. Em apenas 4 unidades que atuam como centrais de recepção da população de rua, segundo a SMAS, o atendimento mensal é de 2,5 mil – 74% dos usuários retornam para as ruas e têm atendimentos reincidentes. Os índices também revelam que 49% recusam atendimento.
destratar ou cuidar fere o ECA...quem oferece a droga para a criança...quem quer internar a criança para cuidar...
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