domingo, 24 de abril de 2011

Mulheres, sobreviventes do Crack


Sobreviventes do crack



Elas contam como é enfrentar a droga devastadora para o sexo feminino

Fernanda Aranda, iG São Paulo 


Maria Eugenia agora é Mel e saboreia a maternidade
Uma pedra que escraviza, destrói a vaidade e leva embora até mesmo o instinto materno tem cruzado a vida das mulheres brasileiras.

O crack, droga que saiu da marginalidade das ruas paulistanas e bateu à porta da classe média de todo Brasil, consegue ser ainda mais devastador no sexo feminino. Quem atesta são as raras sobreviventes da combustão do cachimbo. O Delas foi ouvi-las e encontrou jovens, ainda com sonhos de meninas, que diariamente brigam com a sedução do vício.

“Foi o meu primeiro amor”, confirma Maria Eugênia Lara, 31 anos, usuária por 16, mãe de três filhos, todos gerados na “fissura”.

A pedra foi a primeira mas, com muito esforço e tratamento, não foi a última paixão da vida de Maria Eugênia. Neste domingo, dia 18, ela completa “um ano limpa”, sem dar uma única pitada no crack. O hábito já foi tão enraizado em sua rotina que intercalava o café da manhã, almoço, jantar, banho, sono. Ela não estudou, não trabalhou, não sonhou. Pariu, é fato. Mas só agora consegue sentir de forma plena o amor de mãe.

“O vazio que a droga deixou dentro de mim nunca será preenchido. Mas é uma felicidade imensa ter todas as outras áreas do meu coração agora ocupadas pelo amor próprio, pelo amor da minha família, dos meus filhos e pela vontade de ter uma carreira”, conta ela que, não faz muito tempo, ouviu o caçula dos três a chamar de mãe pela primeira vez.

Ela o rejeitou durante meses. Dizia querer entregar o mais novo para alguma vizinha, por encará-lo como “a representação da destruição do crack”. O menino nasceu quando Maria Eugênia estava no fundo do poço. “Chorei por horas quando ele me olhou limpa e me reconheceu como mãe”.

Ao mesmo tempo em que descobre a maternidade (as crianças têm 8, 3 e 1 ano), ela aprende o que é ser filha. Dos 14 aos 30, Maria Eugênia foi um borrão confuso para a família Lara. Era a razão da insônia e a prova da impotência dos seus pais, vivenciadas nos dias que ela deixava o conforto da casa de classe média para fumar ao relento, na rua.

Metamorfose rara

Neste último ano de resgate da lucidez, Maria Eugênia viu as feridas que cobriam a boca – sequela das inúmeras tragadas, violentas e diárias – darem lugar a vontade de passar batom novamente. No aniversário de 365 dias de sobriedade completados este domingo, ela renasce chamada de Mel (letras iniciais de seu nome e sobrenome), uma tática para celebrar a nova vida.

Apesar de feliz, ela sabe que é exceção. A maioria das Marias Eugênias brasileiras não consegue a metamorfose para Mel, já atestou pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo tentou acompanhar 131 usuários de crack, 12 anos após a passagem por um hospital nos anos 90. No total, 67% deles não venceram: 17% continuavam dependentes, 20% desapareceram, 10% estavam presos e 20% mortos (metade assassinados).

Um comentário:

  1. Olá, fiz parte da equipe fundadora de um CAPS ad aqui em São Paulo, onde trabalhei por quase 5 anos. Saí de la ja faz quase 3 anos e a maioria da população ainda não sabe que CAPS álcool e drogas existe, todas as vezes que os indiquei foi sempre uma surpresa. Sempre questionei o motivo de não serem divulgados e continuo sem resposta! Obrigada pelas dicas. Abraço.

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