O silêncio do bullying
EM REALENGO
O Globo – Rio de Janeirop – Ruben Berta
Apesar de lei determinar, escolas não notificam casos em conselhos tutelares ou na polícia.
- Meu filho chegou ao ponto de ter uma crise renal em consequência do que sofria na escola. Descobrimos que outros alunos não o deixavam ir ao banheiro, alegando que assim ele estaria cumprindo uma prova para poder pertencer a um grupo. Levando em conta que o bullying resulta em lesões corporais, ofensas morais e danos psicológicos, a escola não poderia ter ficado inerte aos fatos - reclama a psicopedagoga, que teve que trocar o colégio da criança e está finalizando um livro contando os problemas por que passou.
Prática é ligada a vários delitos.
Sem encontrar eco na instituição de ensino, um dos caminhos adotados pela mãe foi procurar o Conselho Tutelar da região. A partir da lei do ano passado, a iniciativa obrigatoriamente deveria ser das próprias escolas, sob pena de multa de até 20 salários-mínimos, mas não é o que tem ocorrido. O GLOBO entrou em contato com os dez conselhos da capital. Em oito, a informação foi a mesma: com raríssimas exceções, os relatos de bullying sempre chegam somente através dos pais. Um conselho não quis passar informações sobre as notificações e no outro, ninguém atendeu às ligações.
O delegado Fábio Corsino, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav), também afirma que não tem sido informado pelos colégios.
- Seria importante que essas notificações chegassem; a escola tem a obrigação de agir. O bullying em si não é tipificado como um crime, mas pode haver uma série de delitos envolvidos nessa prática, como lesão corporal ou constrangimento ilegal. O ideal é que possamos fazer uma avaliação caso a caso - diz Corsino, ressaltando que a unidade conta com profissionais de apoio, como psicólogos.
Apesar de a lei estar em vigor há mais de seis meses, o deputado autor do texto, André Corrêa (PPS), atual líder do governo na Alerj, admite que a regra não vingou. Até agora, segundo o parlamentar, nenhuma escola foi multada:
- Realmente, ainda há um desconhecimento muito grande da lei.
O bullying não é novidade nas escolas, mas a discussão em torno do problema voltou à tona nos últimos dias após a divulgação de relatos em que Wellington Menezes de Oliveira, responsável pelo massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, utiliza agressões sofridas no colégio como uma das justificativas para a carnificina. Autor do livro "Manual antibullying", o psiquiatra Gustavo Teixeira afirma que, isoladamente, a prática não pode ser considerada responsável pela tragédia:
- O bullying pode ter sido um dos gatilhos, mas para uma pessoa que já tinha uma doença psiquiátrica. O que pode ter ocorrido é que a prática acabou fazendo com que aquela loucura fosse ambientada na escola, como ocorreu.
Com ampla experiência no tratamento de casos de bullying, o psiquiatra acredita que a melhor fórmula de atacar o problema é a união entre a família e a instituição de ensino:
- Não é algo que vá se resolver por lei ou por decreto. O que se mostra eficiente é a parceria entre o colégio e os pais, além de uma política pública sistemática, que hoje não existe.
Teixeira ressalta que o bullying é definido por um comportamento agressivo de forma continuada entre estudantes, em que a vítima não tem condições de se defender. Os primeiros sinais podem ser uma maior introspecção da criança ou medo de ir à escola.
Na rede pública, não há dados estatísticos sobre o bullying, mas tanto estado quanto prefeitura garantem estar preocupados com a questão. A Secretaria estadual de Educação informou, através de sua assessoria de imprensa, que desenvolveu um formulário específico para a notificação dos casos. Foram disponibilizados ainda dois telefones para informações: (021)2333-0753 e (021) 2333-0754.
A Secretaria municipal de Educação informou que, em abril do ano passado, lançou o Regimento Escolar, que proíbe a prática do bullying, seja através de agressões físicas, verbais ou mesmo pela internet. Foi feita uma campanha, cujo vídeo está disponível no site youtube (www.youtube.com/multiriosme), de alerta para a discussão do tema.
- Temos ainda a previsão para os próximos meses da contratação de mais funcionários de apoio para as escolas, o que tende a facilitar a identificação dos casos. Também começaremos em maio um projeto de Justiça Restaurativa em 151 unidades. A ideia é, por exemplo, que um aluno que tenha feito uma charge humilhando um colega faça um poema para a turma com um conteúdo oposto - acrescenta a secretária municipal de Educação, Claudia Costin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário