domingo, 24 de abril de 2011

Crack - Epidemia Nacional

Crack - Epidemia nacional

Fernanda Aranda, iG São Paulo 


Na clínica de São Bernardo, mostrou levantamento divulgado semana passada, 73% das internações são por crack (homens e mulheres). Há 10 anos, a pedra não chegava a 5% dos atendimentos clínicos. Em Minas Gerais, o centro de toxicologia contabilizou escalda de mulheres dependentes da pedra. Em nove anos, o aumento foi de 76%.

O fenômeno é nacional. A droga – que é uma variação mais barata da cocaína – conquistou primeiro os moradores de rua paulistanos há 20 anos e hoje representam 39% das internações de todo País, segundo a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). “Informações preliminares que obtivemos este ano, com base em dados dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, mostram que o crack, depois do álcool, é a droga que mais leva as pessoas para o tratamento”, descreve o cenário o Ministério da Saúde.

Olhos no espelho

Para se manter nas estatísticas de usuários de crack, Elaine, 21 anos destruiu os joelhos. “Troquei o emprego de vendedora para ser traficante. Corri tanto da polícia que, uma hora, não conseguia mais andar.”

Ela vendia para usar, usava para vender, dormia na rua, fugia dos pais. O que o pó não tinha feito em sete anos de uso contínuo, a pedra conseguiu em seis meses. “A cocaína não me convenceu a buscar ajuda. O crack exigiu isso de mim.”

Ela chegou à clínica da Unifesp sem identidade, 12 quilos mais magra e, a convite da psicóloga Juliana de Almeida Castro Marinho, olhou-se no espelho. Por causa do aumento de mulheres que buscam tratamento no local, a especialista criou uma oficina da beleza. “As mulheres precisam resgatar o cuidado próprio. É isso que propomos com o espelho.”

Semana passada, após 44 dias internada na clínica, Elaine já havia entendido que espelho é retrovisor do passado, reflexo de presente e projetor de futuro. O Delas acompanhou os “últimos retoques” na nova imagem – um rímel nos olhos – antes dela encontrar o abraço dos pais e encarar a vida sem crack fora do portão. O primeiro desafio pode parecer trivial, mas provocava um frio na espinha da jovem: beijar o namorado. “Ele ainda é usuário, sabe. Tenho medo de sentir o gosto da droga”, falou.

Se Elaine temia o carinho de sempre ao virar sobrevivente, o receio de Felipe, 20 anos, era esbarrar com o primeiro amor. Ele enfrentou uma década de uso de crack (sim, começou aos 10) e, por causa da pedra, nunca namorou, não sabe o que é se apaixonar por alguém.

“Tenho muita curiosidade de saber como é, e um pouco de medo também. Vou cuidar de mim primeiro, mas acho que agora consigo saber o que é namorar”, disse, ele momentos antes da alta e de correr para os braços de uma senhora de 50 e poucos que sempre o esperou. “Minha mãe sofreu comigo cada dia da minha dependência. Acho que ela está mais feliz do que eu.”

"I fell good"
Aos novatos na turma de sobreviventes do crack, Mel – antiga Maria Eugênia – diz que o caminho será longo, a lembrança da droga vai voltar com frequencia e algumas noites vão parecer eternas. Mas antes de qualquer hipótese de arrependimento ameaçar manchar a história de sobrevivência da droga, o telefone da Mel toca, com o toque que ela elegeu para ser a trilha sonora da sua nova vida. “I fell good”, dança e cantarola os versos de James Brown, vindos do telefone celular.

“Não troco o meu pior dia sóbria, pelo meu melhor dia louca”, diz, embalada pelo som. O telefonema era para avisar o horário, 17h30. Estava na hora de buscar os filhos na escola.

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