segunda-feira, 11 de julho de 2011

Polêmica: Novas normas da ANVISA para Comunidade Terapêutica

Comunidade não precisa mais ter médico na direção



Grupos terapêuticos que atendem dependentes químicos deixam de ser classificados como casas de saúde, segundo nova resolução da Anvisa

Gazeta do Povo -  PONTA GROSSA - MARIA GIZELE DA SILVA, DA SUCURSAL

A Resolução número 29 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada no último dia 1.º, lançou um novo olhar sobre as comunidades terapêuticas no Brasil. As residências, que tratam dependentes químicos, deixam de ser reconhecidas como estabelecimentos de saúde e passam a ser classificadas como equipamentos sociais de tratamento de usuários de drogas.
A nova norma retira a exigência anterior de haver um médico ou outro profissional de saúde no comando das comunidades terapêuticas, como determinava a Resolução 101, de 2001. Agora, basta ter diploma de ensino superior em qualquer área para ser responsável técnico da comunidade.
O que é
Entenda como funcionam as comunidades terapêuticas destinadas ao tratamento da dependência química:
Grupo de apoio
- Residências sem fins lucrativos que atendem usuários de drogas em regime de internação ganharam o nome de comunidades terapêuticas a partir da Resolução 101, publicada pela Anvisa em 2001. Elas têm a finalidade de recuperar o dependente químico a partir da abstinência do uso de drogas a fim de reinseri-lo na vida em sociedade.
O tratamento é na maioria das vezes gratuito. Geralmente ligadas a grupos religiosos, as comunidades se mantêm graças a convênios com prefeituras e doações.
Como funciona
- A internação é voluntária ou encaminhada judicialmente. O tratamento dura no mínimo nove meses e, nesse período, o dependente químico fica internado na comunidade terapêutica, com ou sem a permissão de visitas. O tratamento é dividido em três fases. A primeira é de adaptação (para desintoxicação) e dura cerca de três meses. A segunda é de interiorização e dura perto de cinco meses. Nessa fase, o interno passa por oficinas de arte e terapias em grupo, entre outras atividades. Na terceira e última fase, que dura um mês, o interno entra no processo de reinserção social. Ele pode visitar os pais e parentes aos finais de semana até concluir o tratamento. Muitas comunidades acompanham os egressos com encontros mensais.
Recuperação
“Não é impossível sair da droga”
A droga apareceu na vida de Luís (nome fictício) de forma muito fácil. No caminho para a escola, ele passava por uma boca de fumo e logo se tornou um frequentador. Ele começou com maconha, aos 11 anos de idade, e passou para outras drogas. Nos últimos meses fumava crack. “É fácil, qualquer um aparece para te vender”, diz. Agora, com 16 anos, e sete meses de tratamento na comunidade terapêutica do Esquadrão da Vida, ligada à Igreja Cristã Presbiteriana, em Ponta Grossa, ele espera recomeçar a vida. “Não é impossível sair da droga, ser alguém na vida”, afirma.
O adolescente começou a namorar uma garota que era traficante e passou a vender droga. “Com o lucro, eu comprava crack para mim”, recorda. Quando não tinha dinheiro, furtava objetos de casa para trocá-los por droga. “Minha mãe chorava muito”, diz.
Luís foi internado no começo do ano passado, mas fugiu na segunda noite de internação e voltou a usar drogas. Depois de três meses de conflitos familiares, ele pediu à mãe para voltar para a comunidade terapêutica. O adolescente voltou e aprendeu formas de lidar contra o vício, buscando inspiração nas terapias desenvolvidas na instituição. Dentro de dois meses, quando Luís voltar para casa, ele espera levar uma vida diferente. “Quando você é usuário tua família te exclui. Agora vai ser diferente. Minha família vai me receber de braços abertos.”
Segundo a Federação de Co munidades Terapêuticas Evangé licas do Brasil (Feteb), a medida a feta 3 mil grupos que atendem cerca de 60 mil dependentes químicos, principalmente usuários de crack. Segundo o presidente da Feteb, o pastor Wellinton Vieira, isso representa 80% do tratamento realizado contra a drogadição no país.
Vieira explica que a nova resolução é resultado de um encontro do setor com a presidente Dilma Rousseff (PT), ocorrido no início do governo. “Não somos clínicas de recuperação, a nossa ferramenta é a convivência entre os pares. A re solução vem para reconhecer isso e nos tirar da clandestinidade”, argumenta.
Alguns traços da antiga resolução serão mantidos, como a exigência de licença sanitária e o encaminhamento do residente para hospitais e postos de saúde quando necessário. As comunidades terapêuticas não precisarão mais oferecer um programa terapêutico para seus residentes, como previa a Resolução 101, mas terão de registrar as atividades dos internos numa espécie de prontuário que irá incluir dados como a prescrição de um medicamento ou a realização de uma terapia em grupo.
As comunidades têm um ano para se adaptar à resolução. Vieira afirma que o segmento vai continuar lutando pela aprovação de uma portaria no Minis tério da Saúde para regulamentar os procedimentos a serem tomados no caso de pacientes que precisam de tratamento médico. “Também vamos buscar financiamento público”, afirma. As comunidades, geralmente ligadas a igrejas, se mantêm graças a convênios com prefeituras e doações.
Adaptação
A Comunidade Terapêutica Marcos Fernandes Pinheiro, ligada ao grupo evangélico Esquadrão da Vida, em Ponta Grossa (Campos Gerais), atendem a 24 meninos de até 18 anos. Segundo o coordenador Mário Sérgio Machado, a adaptação à nova resolução será simples. “Nós já registramos o acompanhamento diário dos internos”, aponta. A casa tem médicos voluntários e uma equipe multidisciplinar que acompanha os adolescentes. Os residentes são encaminhados pela Vara da Infância e da Juventude como uma medida protetiva. Mas a capacidade de atendimento da comunidade, por enquanto está esgotada. “Tem cinco adolescentes na lista de espera.”
No Lar Dom Bosco, em Campo Mourão (Região Central), as religiosas da Copiosa Redenção registram um acompanhamento das nove meninas internas. Para a irmã Elisangela Ramos de Souza, coordenadora da comunidade terapêutica, a nova resolução pode aumentar o acesso dos dependentes químicos às casas de recuperação, que terão maior liberdade de atuação.
Entidade de psiquiatria critica norma da Anvisa
“Ao publicar essa resolução, a Anvisa demonstra que está completamente por fora do que é um tratamento nessa área”, opina o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva. Ele afirma que o governo cria uma “zona livre” para as comunidades terapêuticas ao tratarem usuários de droga sem o acompanhamento médico.
Apesar de a maioria das co munidades contar com médicos voluntários, Silva revela que o ideal é que o Estado ofereça clínicas especializadas. Em nota técnica, a Anvisa informa que ouviu todos os setores envolvidos antes de emitir a resolução. “A atual política do governo federal para enfrentamento do crack e outras drogas reconheceu a necessidade de se estabelecer parcerias entre o Estado e as instituições da sociedade civil que prestam relevantes serviços à comunidade na área da dependência química. Assim, a revisão da regulação sanitária sobre o tema foi realizada em consonância com as ações do governo, especialmente do Ministério da Saúde, de integração entre essas instituições e o Sistema Único de Saúde – SUS”, afirma na nota.
Auto ajuda
Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Apoio às Famílias de Droga depen dentes (Abrafam), Carlos Roberto Rodrigues, os familiares dos dependentes químicos precisam ter em mente que quando encaminham seus parentes para comunidades terapêuticas não terão pela frente uma clínica de recuperação, mas uma residência com uma metodologia própria. “A grande maioria adota a auto-ajuda, sem uso de medicação, um sistema de relacionamento em que predomina a ajuda entre os pares”, explica.
Rodrigues considera ainda que o serviço é importante da maneira como é ofertado. “O Brasil não pode prescindir das comunidades terapêuticas para tratamento dos dependentes químicos. Elas são indispensáveis. Têm grande importância social”, comenta.

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