Dependentes em recuperação e
parentes usam internet para dividir experiências
Artur Rodrigues - O Estado de S.
Paulo
SÃO PAULO - "Hoje passei o dia meio
eufórico, vi o passarinho verde e, como aprendi na clínica, isso não é bom.
Tenho de me concentrar para manter o meu humor controlado, pois qualquer
alteração brusca pode desencadear a vontade de usar drogas. Lembro-me que na
ativa a alegria, a tristeza, a euforia, o estresse, o medo e qualquer outra
alteração de humor me levavam a usar drogas. Eu não sei lidar com minhas
emoções."
As tentações, o medo, a alegria que
vem com cada dia sem recaída inspiram os cada vez mais numerosos blogs mantidos
por viciados em drogas ou parentes de dependentes químicos. O trecho acima foi
escrito pelo autor do blog Diário de um Adicto, um estudante de Direito de 30
anos, morador de Diadema e ex-usuário de cocaína e crack.
"Tinha acabado de sair de uma
internação, era um momento em que eu estava perdido. A coisa que eu mais
gostava - que era usar drogas - me havia sido tirada e eu sentia um enorme
vazio, que não tinha coragem de relatar a qualquer pessoa por medo da
reação", contou, em entrevista por e-mail ao Estado. "Então, eu criei
um perfil e, protegido pelo anonimato proporcionado pela internet, me senti
mais à vontade para extravasar meus medos e aflições."
O histórico dos blogs mostra a
evolução de alguns e o desespero de outros. Uma súbita interrupção nos textos
acaba levando o leitor a se perguntar se, depois de tanto esforço, o autor
sucumbiu às drogas novamente.
Dono da página Limpo, só por hoje, o
consultor Junior Souza, de 39 anos, já está há sete anos longe das drogas. Sua
vida parece um roteiro de filme. Ele fumou maconha dos 9 aos 11 anos e daí para
a frente injetou cocaína, provou LSD e passou a usar crack. Ainda menino, virou
cobrador do tráfico de drogas e respondeu por nove assassinatos na prisão. Era
um criminoso temido em Pernambuco. Agora morando no Maranhão, continua famoso.
Mas como exemplo de recuperação. "Como eu trabalho com grupos de mútua
ajuda, a interação que o blog proporciona ajuda muito na minha
recuperação", diz ele, que também dá palestras.
Segundo especialistas, dividir
experiências, na web ou não, segue a lógica de tratamento de grupos como
Narcóticos Anônimos (NA) e Alcoólicos Anônimos (AA). "Fui a uma sessão do
AA a troco de uma garrafa de cachaça e, ao contrário de todo lugar que eu ia,
não me disseram que tinha de parar. Eu era contra me mandarem fazer as coisas.
Não obedecia nem a lei e ia obedecer psicólogo?" Aos poucos, porém, Souza
foi largando a bebida, a cocaína, o crack e, por último, a maconha.
Os blogs também ajudam os chamados
codependentes, termo usado para designar parentes e familiares que passam a
viver em função dos viciados.
A assistente contábil Giuliana
Fisher Fatigati, de 28 anos, faz parte de uma rede de cerca de 30 blogueiras
que escrevem sobre o assunto. O relacionamento dela com um usuário de crack
acabou sem final feliz, com ele de volta às drogas. Além do blog Valeu a Pena,
escreveu um livro sobre o assunto. "A codependência é uma doença também.
Dá a impressão de que você vai suportar, que você é a mais forte, uma heroína",
diz. "No final, está arrasada, com a autoestima baixa."
Vivendo há quase metade da sua vida
com um viciado em crack, a representante comercial Luciana Laura, de 35 anos,
criou no ano passado o blog 14 anos lutando por um dependente químico.
"Por meio do blog, conheci inúmeras pessoas que passam pelo mesmo
problema. Encontrei amigos que amo incondicionalmente e me ajudam a passar
pelos traumas que a dependência química traz aos familiares.
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