O Globo
Especialista garante que a prevenção é possível com aumento do conhecimento sobre situação
Prevenção: O psiquiatra José Manoel Bertolote criou o Programa Global de Prevenção
do Suicídio da OMS há 20 anos e diz que, em geral, o suicídio ocorre quando há
uma doença mentalUnesp
É possível evitar o suicídio, garante o psiquiatra José Manoel Bertolote,
autor do recém-lançado livro “O suicídio e sua prevenção” (Unesp) e ex-chefe do
Programa de Prevenção do Suicídio da OMS. Ainda assim, o professor da
Universidade de Griffith (Austrália) e da Unesp (Botucatu-SP) diz que cada caso
é um caso e ressalta que as motivações também passam por cultura e religião.
Existem fatores de risco para os casos de
suicídio?
Quando se estuda a população que comete suicídio, há algumas
características em comum. A mais universal é a presença de um transtorno
mental. Nos países ocidentais, as duas doenças mais encontradas são a depressão
e o alcoolismo. A esquizofrenia vem em terceiro lugar, um pouco longe destas
duas. Seja isoladamente ou em uma combinação de fatores, cerca de dois terços
de todas as pessoas que cometem suicídio têm ou depressão ou alcoolismo.
E no Oriente?
Só a China e a Índia têm um quarto de todos suicídios do mundo. São mais
de 200 mil nestes dois países. Além disso, apesar de não ser maioria, quase um
quarto é de suicídios impulsivos, ao passo que no Ocidente isto é raríssimo.
São gestos para impressionar, não necessariamente com a intenção de morrer. Na
China, tradicionalmente, quando há o casamento, a noiva vai morar na casa do
noivo, onde morava o filho e os pais. O grande conflito que tem como
consequência o suicídio lá é entre nora e sogra.
O senhor chefiou um programa de prevenção de
suicídio da OMS. Como funciona?
Trabalhei na OMS por 20 anos e era o chefe da seção de transtornos
mentais. Criei o programa que trata da melhoria do atendimento ao doente mental
grave, principalmente com estes três diagnósticos que mencionei.
Como preveni-lo?
O suicídio é uma situação de crise na vida que é absolutamente evitável,
é uma eventualidade que ocorre geralmente na vigência de uma doença mental e é
importante que cada cidadão se sinta responsável pelo vizinho ou parente que
ele perceba estar em crise.
Como identificá-los?
As pessoas se retraem. Uma das dificuldades de poder ajudar é que elas
se afastam, o problema não é visível. Normalmente não nos interrogamos sobre o
que está havendo. Entrevistamos famílias de suicidas em Botucatu e vimos que em
alguns casos eles contaram que iam se matar para a família, mas ninguém fez
nada.
Em geral, é algo que passa frequentemente pela
cabeça da pessoa?
Passa pela cabeça sim, e no momento que ela sabe que existe um médico,
um enfermeiro, uma associação, um padre, um pastor, um número de telefone, a
quem ela possa recorrer e falar do problema, a pessoa usa.
E como ficam estas famílias?
Existem associações em vários países que se denominam “sobreviventes do
suicídio”. Não para os que tentaram se suicidar, mas para os familiares e amigos
que ficaram. Existe uma mistura de sentimentos, como culpa, raiva, impotência,
que são fatores de risco para um novo suicídio. É comum a pessoa que ficou de
um suicídio tente se suicidar também, como em “Romeu e Julieta”.
Quem são as pessoas que estão prestes a cometer
o ato?
Há um grupo de pessoas que realmente quer botar um fim na vida. Ou acha
que viveu tudo o que tinha para viver, que não tem mais sentido, ou que não
enxerga uma saída para uma situação difícil que está vivendo, então quer acabar
com tudo. Há outro grupo que não quer necessariamente morrer, mas quer mudar
aquela situação. Existe um terceiro grupo para quem o ato suicida é o famoso
grito de socorro.
É preciso ter um motivo específico para se
cometer o suicídio?
O indivíduo se suicida na crise de ansiedade. Está deprimido, o
rendimento cai e ele é despedido. É um precipitante. Mas a percepção social
toma o precipitante pela causa. Acham que ele se suicidou por ter sido demitido
e não pelos outros sintomas.
Por que homens se suicidam mais? No Brasil, são
três para cada mulher.
Uma das manifestações típicas em homens é o uso de álcool e, em menor
quantidade, drogas. Além disso, a depressão no homem nem sempre é diagnosticada
porque apresenta características diversas da da feminina. No homem, se
manifesta mais como transtorno de comportamento, agressividade.
E na faixa etária, são os idosos que se
suicidam mais?
A taxa de suicídio cresce com a idade. Ela é zero até os 5 anos,
praticamente zero até os 10 anos, baixíssima até os 15; aí começa a subir
progressivamente e as taxas mais altas estão em idosos. A taxa média do Brasil
é de seis suicídios por 100 mil habitantes, entretanto, em idosos, ela chega a
25/100 mil.
Por que a taxa brasileira é baixa?
O Brasil é tradicionalmente religioso, a maioria não tem armas de fogo,
a população idosa não é tão grande, é uma série de fatores. Há dez mil
suicídios por ano, está em décimo lugar. Mas a taxa é mesmo muito baixa. Só que
vem aumentando nos últimos dez anos, principalmente em jovens, que é uma população
muito desassistida.
No Brasil, a tentativa e a facilitação do
suicídio são crimes. O que o senhor acha do direito ao suicídio?
Há mais de 50 anos que nenhum juiz processa alguém por tentativa. Há
países onde isso é mais sério, como na Índia, o que complica o tratamento,
porque o paciente foge do hospital e o médico omite o fato. Há países que
reconhecem o direito, como a Suíça. É uma decisão de foro íntimo que varia
muito dada a situação do indivíduo. Como poderíamos ficar contra o suicídio no
filme “Invasões Bárbaras”, por exemplo, em que o senhor estava doente, teria
uma vida miserável, e estava rodeado de amigos, no local que mais gostava?
Existe um grupo social com maior incidência?
São os policiais, por uma questão muito clara: eles têm uma arma do
lado. O acesso ao meio é fundamental. Médicos e dentistas, que têm acesso a
substâncias, também.
Nesta linha, países com facilitação de acesso a substâncias ou
armamentos têm esta propensão? Como exemplo, o acesso às armas nos EUA?
A taxa é relativa. Nos EUA não é muito alta, entretanto, a grande
maioria de suicídios é por arma de fogo. Seria de se esperar uma queda drástica
dessa taxa com um controle maior de armas.
Ou seja, é uma questão que envolve vários setores da sociedade.
A saúde está na ponta, inclusive tem só 200 anos que isto entrou no rol
da ciência médica. A religião tem uma enorme influência. Um estudo que fiz na
OMS comparando países de religiões diferentes mostrou que os mais ateus na
época, como URSS, China e Vietnã, tinham taxas muito mais elevadas do que
países com religião, seja budismo, cristianismo ou islamismo. Aliás, é
extremamente raro o suicídio em países muçulmanos. Os casos famosos de suicidas
terroristas não são suicidas, são pessoas que morrem para matar o inimigo. É o
suicídio altruísta.
Há picos e vales de suicídios?
Na Europa, houve queda
vertical na 1ª e 2ª guerras. Há algumas explicações, como por exemplo a pessoa
ter que lutar pela sobrevivência se desvia de seus problemas. Em praticamente
todos os países com conflito armado com inimigo externo, o suicídio diminui.
Por outro lado, aumenta com uma desorganização social. Quando a Noruega
descobriu petróleo e ficou rica da noite para o dia, houve onda de suicídio.
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