quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Crack invade lavouras - cortadores de cana contam seus dramas


Cortadores de cana de SP contam dramas após vício de crack


'Pensava que o crack era meu Deus', diz trabalhador em tratamento.
'Se usar na lavoura, você fica assombrado, vê cobra, vê tudo', afirma outro.

Roney Domingos
Do G1 SP, em Iracemápolis



Internados em clínicas de reabilitação, ex-cortadores de cana de Iracemápolis, a 150 km de São Paulo, e de Leme, a 188 km da capital, contam ao G1 como se viciaram no crack e de que forma a droga quase destruiu suas vidas. Relatório da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack divulgado na semana passada mostra o avanço da droga no interior paulista e a falta de leitos para tratamento. Os deputados estaduais afirmam que entre os principais usuários estão os lavradores, que se valem da droga para suportar a carga de trabalho.

Em Iracemápolis - cidade de 20 mil habitantes que abriga uma usina de açúcar e álcool -, dependentes de crack fumam a droga não em uma cracolândia de concreto e asfalto como em São Paulo, mas em bosques e áreas verdes próximas ao centro da cidade. Sem leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), a Prefeitura contrata vagas em clínicas particulares - situação semelhante à de boa parte das cidades. O estudo da Assembleia Legislativa mostra que 79% dos municípios consultados não contam com leitos hospitalares do SUS.

O levantamento, feito em 325 dos 645 municípios, revela ainda que nas cidades médias do interior do estado - com população entre 50 mil e 100 mil habitantes - o crack é tão citado pelos prefeitos quanto o álcool como a droga mais usada, com 38% das manifestações.
Cortador de cana em Iracemápolis, um rapaz de 21 anos, que pede para não ser identificado, diz que usava a droga dentro do canavial. "Muitas vezes eu levava o crack para dentro da lavoura, muitas vezes a pessoa levava para mim, chamava para gente usar lá dentro e era direto, não parava. Fora o crack, tinha muitas outras drogas: cocaína, maconha e até bebida alcóolica."
Ao contrário do que dizem os deputados, ele afirma que não dá para usar o crack durante o expediente. "O crack tira totalmente sua força. O pensamento do crack é só no crack. Quanto mais eu uso, mais eu quero. Não tem força física nem mental  nem nada." Internado há quatro meses, o rapaz já ajuda na organização interna da clínica e diz que pretende retomar a vida com mais religiosidade ao sair. "Perdi muitas coisas, o respeito da minha mãe, o carinho da minha namorada e o amor dos amigos. Eu pensei que o crack era meu Deus", afirma.
Usuário de crack em bosque na área urbana de Iracemápolis (Foto: Roney Domingos/G1)

Ex-cortador de cana em Leme, José Rafael de Oliveira, de 25 anos, está para terminar o tratamento de seis meses a que se submeteu para se ver livre da dependência.  "Chegou ao ponto de eu não conseguir manter minha casa. Com o tempo passando, eu perdi minha esposa e minha filha para o Conselho Tutelar. Quem recuperou foi minha mãe", diz.

Oliveira também conta que usava o crack apenas fora do horário de serviço. "O crack tira a dor do corpo, só que não serve para trabalhar. O crack deixa você assustado. Se você estiver usando durante o trabalho em uma lavoura, você não vai conseguir trabalhar. Você vai ficar assombrado, vai ver cobra, vai ver tudo", afirma.

Colega de Oliveira na mesma clínica e lavrador desde os 8 anos de idade, Adenilson Donizeti Ivo, de 31, também se submeteu a tratamento para largar o crack. "Eu usava a droga desde 1999, mas apenas depois de deixar a lavoura. O crack é ruim para trabalhar. Hoje os fiscais ficam no pé e, se pegarem, mandam embora sem direito a nada", afirma.

Nascido no Ceará, o cortador José Alves, de 33 anos, trabalha em lavoura de cana na região de Iracemápolis e conta que é comum a presença da droga no ambiente de trabalho. "Eu nunca usei, mas já vi usarem. Aqui mesmo eu ainda não vi, mas já vi em Balbinos e em Santa Cruz. Tem cara que só trabalha quando usa, mas quando acaba o efeito, acaba se entregando", afirma.
O cortador José Alves, de 33 anos, trabalha em lavoura de cana após queima da palha no interior de SP (Roney Domingos/ G1)

Psicólogo responsável pela clínica onde Oliveira e Ivo estão internados, em Artur Nogueira, Lucas Castanheira afirma que os seis estabelecimentos privados mantidos em convênio com prefeituras locais atendem cerca de 180 pacientes - a maioria deles dependentes de crack. Ele afirma que os pacientes são cada vez mais jovens.

"Mudou um pouco o perfil do dependente. As pessoas chegam muito mais cedo para tratamento em função do uso do crack. As crianças têm um contato primeiro com o crack. Hoje existem também muitos poliusuários, que usam crack, cocaína, álcool e maconha", afirma. Segundo ele, na maioria das vezes, são as prefeituras que pagam o tratamento, que custa em média entre R$ 9 mil e R$ 12 mil mensais.

"Primeiro precisamos tratar da prevenção porque não adianta a gente só tratar do problema já instalado. Mas como isso não foi feito, precisamos de mais apoio dos governos estadual e federal, pois a verba é muito pouca", diz.
Coordenador da Promoção Social de Iracemápolis, Nivaldo Antonio Conti afirma que a cidade mantém seis vagas em instituições privadas - via convênio - para tratar dependentes, ao custo de aproximadamente R$ 50 mil por ano.

O atendimento segue critérios sociais ou obedece a determinações judiciais. A Prefeitura de Iracemápolis também mantém um programa de auxílio a 30 famílias de dependentes, ao custo de R$ 30 mil anuais. Nivaldo afirma que o ideal é ter uma unidade dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps Ad). Ele afirma que o Ministério da Saúde banca o investimento, mas a cidade teme não ter recursos para gantir o custeio da unidade.

Campanhas de prevenção
O diretor de comunicação da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Ademar Altieri, afirma que o setor emprega cerca de 1 milhão de pessoas e realiza campanhas de prevenção do uso de drogas dentro dos canaviais.

Em nota, a direção da Usina Iracema informa ter realizado junto aos cerca de 2 mil colaboradores e familiares ações contínuas preventivas e de conscientização voltadas ao combate às drogas, alcoolismo e tabagismo por meio de palestras e campanhas educativas.

A empresa diz que todos os empregados têm registro em carteira profissional e usufruem de assistência médica, odontológica e campanhas de vacinação. Afirma ainda que não há utilização de mão de obra terceirizada.
A nota diz que a usina possui atualmente um índice médio de 85% de colheita mecanizada e sem queima, e que até 2014 essa marca chegará a 100% em todas as áreas mecanizáveis. "Infelizmente, a questão do avanço do uso do crack é um problema social que atinge diversos segmentos da sociedade e não apenas um setor", informa a nota.

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