“Clínica virtual” propõe reabilitar viciados no Facebook |
Ainda em fase de testes, serviço desafia usuários a acessar a rede social apenas duas vezes por dia, inclusive por meio do celular Claudia Tozetto, iG São Paulo A carioca B. Salles trabalhava em tempo integral como recepcionista em uma empresa de engenharia no Rio de Janeiro, mas era só no final do dia que o trabalho realmente começava. Ela corria para terminar as tarefas do dia, mas nem sempre conseguia, porque passava o dia todo acompanhando as novidades dos amigos em redes sociais, como Orkut e Facebook. "Confesso que fui negligente, pois eu ficava muito tempo 'presa' nas redes para acompanhar atualizações dos amigos", disse ela ao iG. Nem as "broncas" do chefe, nem o bloqueio do acesso a certos sites, impediram B. de acessar as redes sociais. "Eu sempre achava uma forma de burlar essas restrições." Após um período na empresa, B. deixou o trabalho para se mudar para outra cidade. Quando voltou ao Rio, porém, procurou o ex-chefe para tentar recuperar o trabalho, mas não conseguiu. "Encontrei as portas fechadas, obviamente por conta do meu histórico com redes sociais", diz B. "Até hoje não consigo me perdoar por causa disso. Apesar de pouca gente aceitar se considerar viciada em redes sociais, o problema é mais comum do que se imagina. No Brasil, a Universidade de São Paulo (USP) mantém, inclusive, um grupo de apoio à viciados em internet desde 2006, que ajuda também aqueles internautas que não conseguem se desconectar das redes sociais. "Eles são dependentes da interação virtual com outras pessoas, porque não têm habilidades sociais muito desenvolvidas no mundo real", explica Dora Sampaio Góes, psicóloga do Ambulatório Integrado de Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas (HC). Diavosh Arasteh e Dan Peguine, cofundadores do FaceAnonymous O problema também chamou a atenção do americano Dan Peguine, um empreendedor do ramo de internet que se considera um viciado em redes sociais por acessar o Facebook cerca de 30 vezes por dia. Em conjunto com Siavosh Arasteh, um amigo que sofre com o problema, ele fundou o site FaceAnonymous para reabilitar usuários que, como ele, são obcecados em checar as atualizações, fotos e comentários de seus amigos no Facebook, a rede social mais popular em todo o mundo cerca de 750 milhões de usuários. A ideia de criar um grupo para que internautas compartilhem suas experiências a respeito do vício de acessar o Facebook mais do que o normal surgiu em uma conversa entre os dois amigos há cerca de um mês. “Nós dois gastamos muito tempo conectados ao Facebook naquele dia e percebemos que checar o Facebook constantemente tinha um impacto negativo em nossa produtividade”, disse Peguine ao iG. “Estamos em uma missão para ajudar o mundo a gastar seu tempo de uma forma mais sábia”, disse Arasteh por meio de sua conta no Twitter, no início de agosto quando a página do FaceAnonymous entrou no ar. O serviço ainda está na primeira fase, que consiste em um desafio que os fundadores propuseram a si mesmos e aos internautas: registrar o número de vezes que acessam o Facebook diariamente em uma planilha pública disponível pelo site oficial do FaceAnonymous e tentar reduzi-lo para apenas dois acessos por dia. Mais tempo gasto em redes sociais Em crescimento no mundo todo, as redes sociais ocupam cada vez mais tempo dos internautas. Só nos Estados Unidos, nove em cada 10 pessoas com conexão à internet acessam as redes sociais pelo menos uma vez por mês, de acordo com estudo divulgado pela consultoria comScore. Com isso, as redes sociais se tornaram o local onde as pessoas passam 12% do tempo online ou 4,5 horas de permanência por mês. Sozinho, o Facebook é destino de um em cada três sessões de navegação na internet, o que aumentou o tempo gasto no site em 79% no período de um ano. No Brasil, as redes sociais formam a segunda categoria de sites mais acessada pelos usuários, perdendo apenas para os buscadores. De acordo com a comScore, 70% das pessoas com conexão de internet no Brasil acessaram algum tipo de rede social em 2010, 4% mais que em 2009. Embora nem todos os brasileiros tenham computador em casa, essa categoria de sites respondeu por 16% do tempo gasto online no País, a frente de outras categorias populares, como mensagens instantâneas. “É importante entender que as tecnologias sociais ainda são relativamente novas em nossa sociedade e mudaram a forma como nos relacionamos com os amigos, grupos e marcas”, diz Peguine. De 600 acessos a menos de 10 Ironicamente, a página do FaceAnonymous inclui um espaço para comentários no próprio Facebook e até o botão Curtir, que já foi acionado por cerca de 2 mil internautas que visitaram a página. “A popularidade do site em alguns blogs nos mostrou que o vício no Facebook é um problema evidente para muitas pessoas”, diz Peguine. FaceAnonymous quer limitar número de acessos ao Facebook Até agora, 70 internautas aderiram ao desafio, que termina ainda não tem data para terminar. Segundo Peguine, 20 pessoas começaram a compartilhar informações por meio da planilha já no primeiro dia após o lançamento do site. O experimento servirá como base para desenvolver o serviço. “Queremos ter certeza de que nossa ferramenta corresponda ao que as pessoas querem e que, ao mesmo tempo, seja divertida”, diz Peguine. Segundo Dora, do HC, registrar quantas vezes acessou a rede social em um diário, por exemplo, realmente ajuda os viciados a entenderem melhor o vício e porque acessar a rede social os faz sentir melhor. "Conforme eles percebem porque acessam tantas vezes a rede social, eles começam a diminuir os acessos", diz a psicóloga. No tratamento de 18 semanas do HC, que é gratuito, os médicos não proíbem o paciente de acessar a internet. Se tudo der certo, depois de colher dados no período do experimento, Peguine e Arasteh começarão a desenvolver o FaceAnonymous. Os fundadores criaram um sistema de cadastro de e-mails no site para avisar os interessados quando a ferramenta estiver pronta. “Temos diversas ideias sobre os recursos que queremos desenvolver no projeto”, diz Peguine. Segundo Peguine, compartilhar diariamente o número de vezes que acessa a rede social tem ajudado a ele e a outros internautas, inclusive brasileiros, a compreender melhor o uso que fazem de seu tempo. “Em pouco mais de uma semana, já consegui reduzir o número de acessos para entre cinco e sete, mas continuo tentando cortar para apenas dois”, diz ele. A maior parte dos viciados em internet, segundo Dora, consegue se recuperar e continua a usar a internet após o tratamento. "Nas reuniões do próprio grupo, eles já começam a interagir uns com os outros", diz ela. O próximo passo, que acontece aos poucos, é se envolver com atividades do "mundo real", como ir ao cinema com os amigos, retomar algum curso ou esporte. "Um aposentado de 71 anos usou a habilidade dele com a internet para retomar o trabalho", conta. Até agora, mais de 100 pacientes já passaram por tratamento no HC. |
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