Fumo passivo
afeta memória e aprendizado de animais
Agência USP de Notícias
Por Valéria Dias
Experimentos realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da
USP demonstraram que a exposição à fumaça de cigarro no período pós-natal (logo
após o nascimento) induziu alterações em processos críticos do desenvolvimento
do sistema nervoso central (SNC) e a diminuição da atividade locomotora na
infância e na adolescência. Os testes foram feitos em camundongos durante a
pesquisa de doutorado da farmacêutica Larissa Helena Lobo Torres.
Segundo a OMS, 40% das crianças no mundo são expostas ao fumo passivo
Segundo o estudo, a fumaça de cigarro prejudicou os processos de
mielinização (formação da bainha de mielina que é a camada protetora dos
neurônios) e de sinaptogênese (formação e refinamento das sinapses). “Nossos
resultados sugerem que, com a exposição à fumaça do cigarro não há reversão dos
efeitos observados no aprendizado e memória ou mesmo nos níveis das proteínas
pré-sináptica na adolescência e na fase adulta”, aponta a farmacêutica.
“Até o momento, este é o único estudo experimental em roedores que associa
dados bioquímicos e comportamentais ao avaliar os efeitos do fumo passivo no
inicio do desenvolvimento do SNC e as possíveis consequências na adolescência e
na fase adulta, dos animais”, destaca a pesquisadora. A tese Avaliação do
desenvolvimento do sistema nervoso central de camundongos Balb/c expostos à
fumaça do cigarro no início do período pós-natal foi defendida na FCF no
dia 24 de outubro, sob a orientação da professora Tania Marcourakis.
De acordo com a pesquisadora, a exposição à fumaça do cigarro ocorreu
durante as duas primeiras semanas de vida dos camundongos “pois esse período é
crítico para os processos de sinaptogênese e mielinização”.
Cigarros 3R4F
Os animais foram expostos à fumaça de cigarros 3R4F, que foram produzidos
pela Universidade de Kentucky (EUA) exclusivamente para pesquisa. “Realizamos a
exposição com uma mistura de fumaça central e fumaça lateral numa câmara de
polipropileno”, explica.
A fumaça lateral é a que sai pela ponta acesa do cigarro e a central é
aquela que é tragada pelo fumante. Os animais foram expostos à fumaça duas
vezes por dia, durante uma hora no período da manhã (8 horas) e uma hora à
tarde (16 horas). Foi utilizado um sistema que produz vácuo e que permitiu que
a fumaça fosse ‘tragada’ pelos animais. Os camundongos foram avaliados na
infância, com 15 dias de vida; na adolescência, com 35 dias; e na fase adulta,
com 65 dias.
Para avaliar a sinaptogênese, foram quantificadas proteínas sinápticas
(sinapsina I e sinaptofisina) e o BDNF, um fator neurotrófico envolvido na
manutenção da sobrevivência neuronal e na plasticidade sináptica. Essas
análises foram realizadas em diferentes estruturais do encéfalo: hipocampo,
cerebelo, córtex pré-frontal e estriado. O processo de mielinização foi
avaliado por meio de microscopia eletrônica de transmissão do nervo óptico e da
quantificação da proteína básica de mielina no telencéfalo, diencéfalo,
cerebelo e tronco encefálico. “Realizamos ainda estudos comportamentais para
avaliar os efeitos da fumaça do cigarro na aprendizagem e memória, na atividade
locomotora e ansiedade”, conta.
Resultados
Os resultados indicaram diminuição dos níveis de BDNF e de sinapsina e
sinaptofisina no hipocampo, cerebelo, córtex pré-frontal e estriado. A fumaça
também induziu a diminuição na porcentagem de fibras mielinizadas no nervo
óptico e aumento da proteína básica de mielina (PBM) no cerebelo na infância,
além de diminuição da PBM no telencéfalo e tronco encefálico na adolescência e
no cerebelo na fase adulta.
“Estes dados são condizentes com outra pesquisa que demonstrou que
crianças e adolescentes expostos ao fumo passivo apresentam deficiência de
aprendizado evidenciado por um pior desempenho escolar. Em conjunto, esses resultados
representam uma ferramenta que pode direcionar futuras pesquisas que visem a
prevenção dos danos causados pelo fumo passivo”, estima a pesquisadora.
Fumo passivo
O fumo passivo é um problema de saúde pública e diversos trabalhos
comprovam os prejuízos causados por essa exposição, principalmente no sistema
respiratório. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 40% das
crianças no mundo são expostas ao fumo passivo, que é responsável por elevada
morbidade respiratória e mortalidade em crianças de baixa idade.
“Apesar desses dados, poucos trabalhos têm como foco os efeitos do fumo
passivo no SNC, em especial, durante o período de desenvolvimento”, finaliza a
farmacêutica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário