Redução de danos para usuários de crack gera polêmica
na capital
Jornal O Estado de Minas
Programa da PBH que incentiva consumo de drogas como álcool e tabaco em substituição à pedra surpreende o próprio prefeito, que no entanto diz que política tem base científica
Sandra Kiefer
A política de
enfrentamento ao uso do crack executada pela Prefeitura de Belo Horizonte, com
o incentivo à substituição da pedra por drogas lícitas, causou surpresa ao
próprio prefeito Marcio Lacerda (PSB). Como revelou o Estado de Minas em sua
edição de quinta-feira, a capital mineira põe em prática o modelo de redução de
danos preconizado pelo Ministério da Saúde, que incentiva a substituição do
crack por drogas mais leves, como opiáceos, álcool, tabaco e remédios
controlados, até que o usuário consiga atingir a abstinência.
Perguntado em entrevista à Rádio Itatiaia sobre a iniciativa, e se havia
ficado sabendo de detalhes da política de redução de danos por meio do jornal,
Lacerda respondeu: “Realmente, não conheço”. Mesmo assim, o prefeito defendeu o
programa, ao afirmar que “existem teses de medicina e trabalhos científicos que
demonstram que as pessoas com dependência química podem ser tratadas usando
drogas menos nocivas, enquanto não se livram totalmente (do vício do crack)”.
O tema da redução de danos é citado duas vezes no Projeto Recomeço, parte
do programa de governo para a reeleição de Marcio Lacerda, no ano passado. Em
resposta ao EM, por e-mail, o prefeito informou que a redução de danos é apenas
um dos pontos do projeto, que tem como objetivo “envolver os vários setores do
poder público e da sociedade no enfrentamento ao uso de drogas, buscando ações de
tratamento, de prevenção, de reinserção social e de redução de danos, tendo
como base a atual política sobre drogas.”
Segundo o prefeito, o combate ao crack é tratado como assunto prioritário
em sua gestão. Prova disso, afirma, é a inauguração do Centro de Referência de
Saúde Mental – Álcool e Drogas (Cersam–AD) do Barreiro, prevista para hoje.
“Isso mostra que estamos trabalhando para ampliar a prevenção e ofertar um
atendimento mais próximo e humanizado.” A unidade é uma das três do tipo
prometidas para a capital mineira dentro do Projeto Recomeço. A abertura do
Cersam Noroeste, nas proximidades da cracolândia do Bairro Lagoinha, está
prevista para junho.
A Secretaria Municipal de Saúde informou em nota que dentro das ações de
assistência aos usuários de álcool e outras drogas não são fornecidas na rede
de Belo Horizonte drogas ilícitas, como maconha, nem bebidas alcoólicas e
cigarros, apenas substâncias com orientação médica.
Audiência pública
Na próxima semana, Lacerda e o secretário municipal de Saúde, Marcelo
Teixeira, devem comparecer a audiência pública perante a Comissão Permanente de
Enfrentamento do Crack da Assembleia Legislativa de Minas, para esclarecer o
funcionamento do programa de redução de danos. O encontro foi convocado a
pedido de representantes do terceiro setor que, entre outras informações,
querem mais explicações sobre a política de distribuição de drogas lícitas para
usuários de crack da capital, o montante já aplicado da verba do governo
federal no setor e o número de usuários da pedra que perambulam pelas ruas da
capital.
Entraves nas comunidades terapêuticas
Uma das respostas mais objetivas para o impasse poderia vir das
comunidades terapêuticas, entidades ligadas às igrejas que sempre acolheram
“viciados em drogas” em fazendas, sítios e centros de recuperação. A proposta
da inclusão das entidades na política de combate ao crack é discutida à
exaustão desde 2011. Até hoje, porém, não foi aberta uma única vaga nas comunidades
terapêuticas no país dentro do programa Crack: é possível vencer.
Em novembro de 2012, quase um ano e meio depois da reunião com a
presidente Dilma Rousseff, que defendeu a causa, saiu o edital de convocação
das entidades pela Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad), do
Ministério da Justiça. Dava dois meses de prazo, até janeiro deste ano, para
que as entidades se inscrevessem. O tratamento, custeado com recursos federais,
iria durar de 45 dias a nove meses, dependendo do caso. Cada usuário de crack
fora das ruas custaria R$ 1 mil por mês.
Em janeiro esgotaram-se os prazos para inscrição, pré-habilitação,
habilitação e aprovação do contrato das comunidades terapêuticas. Mais de 400
entidades se inscreveram. Dois meses já se passaram e a Senad não conseguiu
avançar da segunda etapa (pré-habilitação). “Se continuar nesta toada, com a
divulgação de 10 nomes por mês, vai levar mais um ano e meio até acabarem as
habilitações e o governo começar a repassar os recursos. Enquanto isso, as
pessoas vão continuar nas ruas?”, questiona o pastor Wellington Vieira,
presidente da Federação de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil
(Feteb).
Processos
Vieira calcula que existam hoje cerca de 300 entidades nestes moldes em
Minas, cuidando de 9 mil usuários de drogas (30 pessoas por entidade, em
média). Ao todo, respondem por 80% das pessoas em tratamento. O pastor esteve
em Brasília para acompanhar o andamento dos processos na companhia de Ana
Godoy, presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas Católicas e
coordenadora da Pastoral da Sobriedade. “Realmente o processo está muito lento,
mas tenho esperança de que, ainda este ano, saia alguma verba.”
O Ministério da Justiça garante que até junho a maior parte das análises
terão sido concluídas. O órgão alega que quase 100% das documentações
encaminhadas estavam incompletas, o que dificultou o trabalho. Das 253
inscrições de entidades, 55 tiveram a documentação analisada, 42 foram
habilitadas e oito aprovadas. De Minas, três estão habilitadas e apenas uma
aprovada: a Associação de Apoio e Recuperação de Dependentes Químicos de
Itaúna, na Região Central.
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