domingo, 29 de janeiro de 2012

Poder imobiliário X Cracolandia SP


Centro de cobiça

 

Para estudioso, o poder imobiliário ficou acima do interesse público na região, que é bem mais que uma cracolândia


28 de janeiro de 2012 - Mônica Manir - O Estado de S.Paulo

No apartamento que levou 25 anos para pagar, o cientista político Lúcio Kowarick caminha lentamente, trazendo lá de dentro dois livros seus. Um deles, Viver em Risco, ganhou o Prêmio Jabuti 2010 na categoria Ciências Humanas. O outro, São Paulo: Novos Percursos e Atores, também da Editora 34, é trabalho recente e mote para esta entrevista, numa semana em que a cidade aniversariou, o Nova Luz empacou e o prefeito Gilberto Kassab escapou de uma chuva de ovos que lambuzou sua performance na Praça da Sé.
Kowarick orienta alunos na USP e já foi pesquisador visitante nas universidades de Londres, Paris e Oxford. No livro e na conversa, focou-se no centro de São Paulo, tratando especialmente de dois pontos: o estupendo valor de troca da região, que seguiria a lógica do lucro especulativo, e seu intenso valor de uso, local de trabalho e de moradia. Daí que afirma: "Não dá para falar em decadência". Para Kowarick, o centro não é território de transbordo, nem reduto de drogados, nem terra de ninguém. "No processo de renovação urbana, e apesar do discurso higienista, a população tem o direito de permanecer ali." Reconhecido por sua pesquisa nos anos 70 das periferias que nasciam e cresciam desassistidas pelo Estado, ele hoje estuda com afinco os cortiços da cidade e sua surpreendente população de 600 mil pessoas, tema de mais um artigo - quiçá outro livro - que está por vir.
Em liquidação?
"O centro da cidade tem um dinamismo, entende? Não é uma área de transbordo, pela qual a população simplesmente passa. Bem verdade que houve uma transferência do comércio de alto e médio padrão que existia ali para outras zonas, como a Faria Lima e a Paulista, e em seguida a Berrini e a Marginal do Pinheiros. Hoje o padrão de consumo é outro. A casa Mappin, que era de luxo, mudou de nome e tornou-se popular. Há um comércio de rua bastante grande e em certas regiões o metro quadrado vale muito, como na 25 de Março, com preços iguais aos de muitas lojas de shopping. Apesar de certo descaso da administração com o lugar, a Marta (Suplicy) levou a Prefeitura para o antigo prédio Matarazzo e uma série de secretarias para o entorno. O governo do Estado também começa a alocar serviços ali. As sedes dos bancos saíram, mas a concentração bancária continua forte na região. Isso gerou empregos. Não dá para falar em decadência.
Cortina de fumaça
"Houve uma quase premeditação de se dizer que a cracolândia era maior do que de fato era. Ela se resumia a uma zona bem pequena, a algumas ruas, e fizeram com que toda a área que supostamente passaria por um processo de reurbanização fosse chamada assim. É como se, de um foco pequeno, você contaminasse toda uma região para, enfim, se não deteriorar essa área, colocar os preços mais embaixo e facilitar uma intervenção. Agora, os interesses privados não têm se mostrado muito dispostos em intervir neste momento. Estão provavelmente esperando que o preço dos imóveis caia para poder comprar e revender por um valor bem mais alto.
Bate-se antes
"Olha, a nossa polícia é uma polícia violenta. Existe a polícia de controle, uma inovação importante, porém ainda muito reduzida. A proposta é livrar a cidade do que chamam de sujeira, da população pobre, miserável, de extrema baixa renda, dos consumidores de drogas. Claro que um morador de rua na porta de uma loja atrapalha o negócio do comerciante e ninguém quer um sem-teto na frente de casa. Mas não tem sentido usar gás lacrimogêneo e bala de borracha e ainda espancar uma população desvalida. Deviam amparar. A dispersão, no caso da cracolândia, compromete o trabalho de uma série de organizações que estão tentando tirar essas pessoas desse estado de decomposição física e mental.
Forças intrínsecas
"O Estado, nos seus vários níveis, não é neutro. Ele sofre pressão de grupos extremamente fortes que atuam dentro das burocracias estatais, nas secretarias, nas assembleias de vereadores. Isso é amplamente conhecido. E o poder imobiliário e financeiro é um deles. A população pobre, em comparação com esses grupos, tem pouca força relativa. Os movimentos sociais ficam na defesa, tentam conseguir um pouco aqui, um pouco lá, mas nunca o suficiente para impedir o que aconteceu em Pinheirinho, por exemplo. Ou fazer um projeto alternativo ao Nova Luz, que traz uma inovação complicada: a Prefeitura vende ao proprietário o direito de ele desapropriar. Estão dando ao sistema privado uma ingerência que a princípio é atributo, é direito e é dever do poder público. O interesse privado vai procurar o lucro, enquanto o público deveria procurar o bem do município. Não precisa pensar apenas na população de baixa renda, mas na mistura social, em várias faixas, que é a forma de convivência mais adequada.
Invasão x ocupação
"Se você falar em ‘invasão’ na frente do líder de um movimento social, é expulso daquele lugar. Eles dizem ‘ocupação’. É uma questão semântica. Ocupar implica o direito de estar lá. Invadir significa espoliar o direito do outro. Falando nisso, em novembro sete prédios foram ocupados simultaneamente no centro de São Paulo. A luta não é somente uma luta concreta, de conseguir este ou aquele favor. É uma luta ideológica. Se um interessado na Nova Luz vence nas palavras, se o seu discurso se torna hegemônico, se convence as pessoas de que é um projeto que deve ser feito, se tem a mídia a favor, os políticos a favor, o poder econômico a favor, ele consegue convencer a população de que vai higienizar a cidade. Essa ideia de limpeza é antiquíssima. Os primeiros interventores do município eram médicos higienistas, que combateram as febres, a varíola, a tuberculose.
Instrumentos à mão
"Historicamente, no Brasil, toda renovação urbana, na qual se demolem residências em péssimo estado e se levantam prédios em seu lugar, implica expulsão da população. A renovação aumenta o preço dos aluguéis e dos imóveis, o que torna impossível aos pobres se fixarem lá. Aliás, esse é um fenômeno que ocorre também na periferia. Se você tem uma área relativamente desprovida de serviços e estende até ela a rede de água e esgoto, há uma valorização que tende a expulsar para longe a população mais pobre. Ao mesmo tempo, entre 20% e 25% dos imóveis do centro de São Paulo estão vazios, sejam comerciais ou residenciais. Estão ociosos. Muitos têm problemas de herança, os herdeiros não conseguem se ajeitar, deixam de pagar o IPTU, o imposto sobe, os imóveis vão se deteriorando e acabam abandonados. O Estatuto da Cidade, que é muito forte, e o IPTU progressivo, que taxa os imóveis vazios, são instrumentos à mão para conter a especulação imobiliária e prover moradia para quem não a tem. Se fossem aplicados de maneira mais radical...
Outra casa, outra vida
"À parte o BNH, que foi uma política habitacional massiva voltada para a classe média-média, nunca houve algo do gênero para a população de baixa renda. O Minha Casa, Minha Vida engatinha, não gastam o dinheiro que foi alocado, é uma coisa que ainda não deslanchou. Mas no fundo é o seguinte: ou se financia a habitação para a classe pobre ou ela não tem dinheiro para pagar por isso. Não tem. Os programas existentes hoje exigem uma burocracia que atrapalha muito e ainda excluem grande parte da população. As experiências europeias são de ajudas subsidiadas, seja do setor privado, seja do setor público subsidiando o setor privado. A Paris do século 19, por exemplo, era uma miséria total. Veja Os Miseráveis, de Victor Hugo. Acabou isso. Depois da 2ª Guerra houve na França uma outra guerra, contra os cortiços, com renovação de bairros inteiros. Mas a população que morava lá tinha a prerrogativa de continuar lá. Não foi um processo de expulsão.
Varal caro
"Uma pesquisa antiga, de 1993, estima que 600 mil pessoas vivem em cortiços na capital. Os movimentos sociais calculam em 1 milhão atualmente. O cortiço, na verdade, já chegou a abrigar 60% da população da cidade, e hoje a especulação nesse espaço é absurda. Cálculo feito pelo engenheiro Luiz Kohara afirma que o metro quadrado dos cortiços vale três vezes mais que o metro quadrado de um apartamento normal no centro - lembrando que são três, quatro pessoas dividindo o mesmo aluguel num espaço exíguo e sob enorme promiscuidade. É um chuveiro para 20 pessoas, uma privada para 20 pessoas, a convivência é extremamente difícil, se ouve o barulho dos vizinhos, da televisão, das brigas... Ao mesmo tempo, em relação às favelas e à periferia, o cortiço é muito pouco estudado. Há quem more ali faz muito tempo, mas outros estão de passagem até conseguir um lugar melhor. Ou seja: é uma população difícil de ser medida, que ocupa principalmente casarões e paga aluguel combinado verbalmente, sem papel, sem compromisso, e portanto bastante alto.
Puxadinho, puxadinho meu
"A casa é um abrigo contra a intempérie do desemprego, do acidente de trabalho, da velhice, da doença. E sem dúvida é uma questão valorativa de ter algo seu, inclusive de mandar naquela coisa. Eu quero construir aqui, fazer um muro de arrimo ali, levantar um segundo andar, um puxadinho, trazer o conterrâneo que vai ajudar a construir. Depois vou comprar um terreno mais longe, vou fazer uma segunda casa. Porque tem essa mentalidade de a população poupar construindo num lugar longínquo, onde só tem mato, o sistema de transporte é ruim, o posto de saúde está a quilômetros, mas de repente as coisas vão chegando, e quem consegue ficar ali faz uma poupança, deixa algo para os filhos. E esse algo é um teto. Mas não pense que a autoconstrução é fácil. As pessoas trabalham muito nas horas extras, nos domingos, no fim de semana. Ter uma casa não é algo simples."

"Kit crack" é distribuido na Europa - saída contra a droga


Europa busca saídas contra o crack


Londres, Amsterdã, Zurique e Madri estão entre as cidades mais afetadas pelo consumo da droga, que avança em subúrbios e guetos


29/01/2012 - Jamil Chade, Genebra - O Estado de S.Paulo


Salas para relaxar, equipamento esterilizados de inalação de drogas e até a distribuição de um "kit crack". Essa é a abordagem que autoridades passaram a ter com dependentes do subproduto da cocaína na Europa, que, nos últimos anos, avançou de forma inquietante nos subúrbios e guetos mais marginalizados das grandes metrópoles.


Londres, Amsterdã, Zurique e Madri estão entre as cidades mais afetadas pelo fenômeno, que, segundo os especialistas, é recente na Europa e vem ganhando dimensões preocupantes diante da crise que não cede.


Por anos, a questão era considerada um problema que se limitava aos Estados Unidos e a países latino-americanos. Ainda hoje, a União Europeia (UE) estima que o crack é "muito raro entre os usuários de cocaína socialmente integrados".


O problema é que, com o reconhecimento da existência da pobreza nas periferias das grandes cidades europeias e da taxa recorde de desemprego, revelou-se também a existência do crack, penetrando de forma importante entre a parcela da população mais pobre e entre desempregados, sem-teto e grupos étnicos minoritários. Nesses guetos, muitas vezes a poucos quilômetros de centros sofisticados das finanças internacionais, o crack é uma realidade europeia.


Bruxelas admite ainda ter poucos dados sobre quantos são os usuários. Mas já chama a atenção para bolsões onde a incidência é alta.


Em seu mais recente relatório sobre a situação das drogas na Europa, publicado em novembro, a UE alerta que, em Londres, "o uso do crack é considerado como um componente maior do problema das drogas nas cidades".


A estimativa de 2010 era de que a Inglaterra contava com 189 mil usuários de crack - quase 6 casos a cada mil habitantes. Para as autoridades, esses números levaram vários governos a estabelecer programas para tratar esses dependentes.


Em praticamente todos eles, a estratégia em relação aos consumidores não é a intervenção policial, mas a oferta de tratamentos de saúde.


Iscas

Na Alemanha, cidades como Hamburgo e Frankfurt criaram "salas de inalação" para os consumidores, na esperança de reduzir os riscos associados ao vício e, pouco a pouco, substituir a droga. Inaladores desinfetados passaram a ser oferecidos pelas autoridades, enquanto o viciado se compromete a passar por um tratamento de saúde oferecido pelas prefeituras.


Segundo um funcionário de uma dessas salas em Frankfurt, esses locais foram criados como uma espécie de "isca" para que as autoridades possam atrair os viciados e, a partir do contato e da confiança, estabelecer programas para desintoxicação.


"A orientação é a de nunca chegar e exigir que o viciado passe por um tratamento. Isso raramente funciona", conta o funcionário, que pediu para manter o anonimato.


Desafio

A União Europeia, em seu relatório de novembro, não esconde que o usuário de crack representa um "desafio" para os serviços de saúde. Esses viciados são os mais marginalizados na sociedade e com história com drogas de maior duração.


"Aos que chegam ao local, damos conselhos médicos e assistência psicológica. Para alguns que não têm onde dormir, oferecemos ainda camas para passar a noite", explica. "Quando esse viciado entende que há uma chance de ele melhorar, nosso trabalho de tratamento é imensamente facilitado", diz. Questionado se o local era visitado pela polícia, o especialista perguntou: "Para que a polícia viria?"



sábado, 28 de janeiro de 2012

Álcool + tabaco = Maior risco de AVC


AVC: 90% dos riscos vêm de apenas 10 causas

Pesquisa em 22 países mostrou que hipertensão é líder absoluta entre elas

The New York Times | 18/06/2010 16:06


Um estudo internacional constatou que apenas 10 fatores de risco são responsáveis por 90% do risco de acidente vascular cerebral (AVC), sendo a hipertensão o fator de risco mais potente para a ocorrência do problema.
Dessa lista, cinco fatores normalmente ligados ao estilo de vida – pressão alta, fumo, gordura abdominal, dieta e inatividade física – são responsáveis por 80% do risco de AVC, disseram os pesquisadores.
Foto: Getty Images
Hipertensão: o mais importante fator de risco para AVC pode ser combatido com controle e medicamentos
As conclusões são do estudo “Interstroke”, feito com 3 mil pessoas que tiveram AVCs e um número igual de indivíduos sem histórico do problema em 22 países. A pesquisa foi publicada hoje no jornal The Lancet. O estudo, que também foi apresentado no Congresso Mundial de Cardiologia em Pequim, China, atesta que os 10 fatores significantemente associados com o risco de AVC são: hipertensão, fumo, inatividade física, gordura abdominal, dieta rica em gorduras, diabetes, consumo de álcool, estresse, depressão e problemas cardíacos. Dentre estes, pressão alta foi o mais importante, responsável por um terço de todo o risco de AVC.
“É importante ressaltar que a maior parte dos fatores de risco associados aos acidentes vasculares cerebrais é modificável” disse Martin J. O’Donnell, professor associado de medicina na Universidade McMaster, do Canadá, e um dos autores da pesquisa. “Se eles são controláveis, isso pode ter um impacto considerável na incidência de AVCs”.
Controlar a pressão sanguínea é importante, disse o médico, pois ela exerce um papel importante nas duas formas de acidente vascular cerebral: o isquêmico – causado pelo bloqueio de algum vaso sanguíneo – e o hemorrágico, no qual um vaso cerebral se rompe. Já os altos níveis de colesterol na corrente sanguínea são importantes no aumento do risco de AVC isquêmico e não hemorrágico, esclarece o especialista.
“A coisa mais importante da hipertensão é o fato dela ser controlável. A pressão sanguínea é relativamente fácil de ser medida e existem hoje vários tratamentos para essa condição. Alterações no estilo de vida para controlar a pressão incluem a redução do consumo de sal e adoção ou aumento da atividade física” disse O’Donnell.
O médico acrescentou que os outros fatores de risco que estão entre os “top 5” na ocorrência de AVCs – fumo, gordura abdominal, alimentação rica em gorduras e pobre em fibras e inatividade física – também são modificáveis. Alimentação rica em frutas e peixes, por exemplo, foi associada a um baixo risco de AVC, de acordo com o estudo.
Os pesquisadores apontaram ainda algumas potenciais limitações do estudo, incluindo o tamanho da amostra, que eles mesmos classificaram como “talvez inadequada para prover informações confiáveis” sobre a importância de cada fator de risco em diferentes regiões e grupos étnicos do planeta.
Muitos dos mesmos fatores de risco já aparecerem em outros estudos, mas este foi o primeiro estudo sobre o risco para AVC a incluir participantes de baixa e média renda de países em desenvolvimento e a incluir uma tomografia computadorizada de todos os participantes que eram sobreviventes de AVCs, disseram os pesquisadores.

Segunda fase
Os países participantes do estudo foram Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Croácia, Dinamarca, Equador, Alemanha, Índia, Irã, Malásia, Moçambique, Nigéria, Peru, Filipinas, Polônia, África do Sul, Sudão e Uganda.
O estudo “Interstroke” confirmou que a hipertensão “é a principal causa de AVC em países em desenvolvimento”, assim como em nações desenvolvidas, escreveu Jack V. Tu, da Universidade de Toronto, no Canadá, em um editorial que acompanha a pesquisa divulgada no Lancet. Ele acrescentou que o estudo evidenciou a necessidade das autoridades dos países participantes de desenvolver estratégias para reduzir a hipertensão e outros fatores de risco.
Uma segunda fase do estudo está em andamento. Nela, os pesquisadores estão estudando a importância dos fatores de risco para o AVC isquêmico em diferentes regiões e grupos étnicos. Eles também estudam a associação entre a genética e o risco de AVC. O plano é recrutar 20 mil voluntários.
Para Larry B. Goldstein, diretor de um centro especializado em AVC, ligado à Universidade de Duke, nos Estados Unidos, o estudo destacou ainda mais o que já se sabia sobre os riscos para o problema.
“Em resumo, agora sabe-se que os riscos são bastante semelhantes tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos. Os resultados reiteram a importância de darmos atenção à influência do estilo de vida no risco para o AVC” disse. 

Overdose por drogas bate recorde no país


Overdose por drogas bate recorde no País


Em 10 anos, casos crescem 2,5 vezes. Mais notificações e misturas de múltiplos tóxicos estão por trás do aumento


Fernanda Aranda, iG São Paulo | 28/01/2012 06:59


Os casos de intoxicação por drogas bateram recorde no País. Levantamento feito pelo iG Saúde no sistema de notificação da FioCruz mostra que, em 10 anos, o aumento foi de 2,5 vezes.
Em 1999, primeiro ano de análise do Sistema de Informações Tóxico Farmacológicas (Sinitox), foram notificados por médicos e atendentes de saúde de todo o Brasil 2.654 registros de overdose. Já em 2009, último ano disponível e mapeado recentemente, o número subiu para 6.944 casos, um recorde na série histórica de acompanhamento.

Casos de overdose notificados

No ano de 2009, as notificações bateram recorde histórico.
O Sinitox é abastecido pelos centros de toxicologia nacionais, acionados sempre que os especialistas têm alguma dúvida em como tratar o paciente que dá entrada em uma unidade de saúde – públicas e privadas – com suspeitas de envenenamento ou intoxicação.
A população em geral também pode fazer a consulta nestes estabelecimentos antes do primeiro atendimento médico, para saber como agir.
Por isso, ao mesmo tempo em que o crescimento de registro pode espelhar uma melhora da comunicação de atendimento por parte dos profissionais, o aumento também detecta um fenômeno já descrito pelas unidades que tratam de dependentes químicos.
Segundo os especialistas em álcool e outras drogas, é crescente o número de viciados de múltiplas substâncias. Quando procuram atendimento para desintoxicação, os pacientes relatam ser usuários, de forma simultânea, de cocaína, álcool, maconha e crack.
A mistura de entorpecentes deixa o organismo mais vulnerável à overdose, já alertou o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Laranjeira. Outro prejuízo é que o tratamento para o coquetel de drogas viciantes também é mais complexo, já que são necessárias várias abordagens terapêuticas diferentes.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Perfil de usuários de crack que buscam atendimento em CAPs



Estudo traça perfil de usuários de crack que buscam atendimento nos CAPs

- Fonte: Danielle Monteiro / Agência Fiocruz

Reconhecer o perfil da população usuária de crack que busca atendimento no sistema público de saúde, de forma a contribuir para futuros planejamentos na área. Esse é o principal objetivo do estudo realizado por pesquisadores daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, da Prontamente – Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia e da Universidade Federal de Pelotas. Publicada na edição de novembro dos Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), a pesquisa evidencia a existência de algum tipo de seleção para o acesso de usuários de crack aos serviços do SUS, caracterizada por especificidades relacionadas à renda e escolaridade. Foram entrevistados 95 usuários de crack atendidos entre agosto de 2009 e março de 2010 em três Centros de Atenção Psicossocial (Caps) da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Os pacientes passaram por entrevistas compostas por um questionário padronizado, além de inventários para diagnósticos de dependência e de abuso para drogas ilícitas da Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA) e um Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), instrumento de screening de distúrbios psiquiátricos menores (DPM) sugerido pela Organização Mundial da Saúde. Os resultados indicam predomínio de pacientes do sexo masculino, jovens adultos, com escolaridade fundamental e que, embora não tenham ocupação regular, afirmam possuir renda individual. Grande parte faz uso frequente e pesado da droga há mais de um ano e se encaixa em critérios para dependência e abuso do crack além de possuir índices elevados de SRQ-20. O estudo também revela predomínio de indivíduos solteiros, que não coabitam com companheiro/a e vivem em habitações com duas a quatro pessoas. Somente 5,3% dos usuários mora sozinho e nenhum afirmou estar em condição de rua. A maioria dos que possui filhos (72,5%) afirmou não morar com eles.

A cada episódio de consumo, o número de pedras foi igual ou superior a dez em 69,5% dos casos e as substâncias mais usadas antes do crack ou juntamente com a droga foram a Nicotina, o álcool e a maconha, respectivamente, sendo que esta última foi, entre as três, a substância com o menor percentual de usuários que desejam cessar o consumo (24%). De acordo com os estudiosos, os estudos de base comunitária, ao contrário dos artigos que descrevem usuários em atendimento, revelam uma quase totalidade de usuários de crack composta por homens muito jovens, pobres, analfabetos e de famílias desestruturadas, indicando diferenças no perfil socioeconômico dos usuários de acordo com o tipo de pesquisa realizada.
“As diferenças em relação aos estudos de base comunitária sugerem algum tipo de seleção para o acesso de usuários de crack aos serviços do SUS, como parece ocorrer em outras áreas”, afirmam os pesquisadores. Diante dos resultados, os estudiosos atentam para necessidade de maior acesso de usuários de crack aos serviços do Sistema Único de Saúde, uma vez que eventuais seletividades podem por em risco o princípio da universalidade que rege o SUS. “Pessoas com maior comprometimento social parecem não chegar às redes de saúde, o que remete à necessidade dos municípios programarem estratégias de facilitação do acesso, com maior envolvimento de agentes comunitários de saúde, com os Programas de Redução de Danos (PRD), consultórios de rua ou outras ações de aproximação entre comunidade e serviços”, alertam.

Unidades de Atendimento são criadas para atender usuários de crack


Unidades de Atendimento são criadas para atender usuários de crack

26 de janeiro de 2012

Cumprindo as ações previstas no Plano Crack, é possível vencer, o Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial da União desta quinta-feira (26), a portaria que cria as Unidades de Acolhimento, destinadas às pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e drogas e que estão em situação de vulnerabilidade social e/ou familiar.
Nestas unidades o paciente acolhido terá o atendimento reforçado por acompanhamento terapêutico e proteção. Os usuários de crack e outras drogas vão ser cuidados, por até seis meses, em regime residencial. O objetivo deste tratamento é manter a estabilidade clínica e o controle da abstinência.
Até 2014 está prevista a criação de mais de 166 centros de atendimento para exclusivo acolhimento infantojuvenil (com idade entre 10 a 18 anos) e mais 400 estabelecimentos para atender o público adulto.
O subcoordenador da Saúde Mental do Ministério da Saúde, Leon Garcia, explica a portaria que institui as Unidades de Acolhimento. Elas fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial – responsável por atender Saúde Mental e cuidar dos problemas de dependência de álcool e drogas. Ele também explica a diferença entre unidade de acolhimento, CAPS, comunidade terapêutica e consultórios de rua.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Como o cogumelo age no cérebro?

Estudo explica ação de cogumelo alucinógeno no cérebro
Folha.com DE SÃO PAULO - 23/01/2012

Cientistas dizem ter mapeado os caminhos que levam à ação dos cogumelos alucinógenos no cérebro.

A chamada "viagem" provocada por certos tipos desse fungo seriam causadas por alterações na oxigenação e no fluxo de sangue em regiões do cérebro. Uma consequência da psilocibina, o princípio ativo dos "cogumelos mágicos".

Trabalhos anteriores sugerem o uso terapêutico da substância --que alegadamente leva a experiências existenciais profundas.

David Nutt e colegas fizeram imagens detalhadas do cérebro de dois grupos de 15 adultos saudáveis durante vários estágios: da consciência à psicodelia. Os voluntários receberam injeções intravenosas de psilocibina.

A intensidade dos efeitos alucinógenos subjetivos descritos pelos participantes --como a visão de padrões geométricos e a alteração da percepção de espaço e tempo-- coincidiu com uma diminuição do fluxo de oxigênio e sangue em regiões do cérebro em que as conexões neurais são mais densas, o córtex pré-frontal medial e o córtex cingulado.

Acredita-se que esses "hubs" do cérebro acelerem o fluxo de informação pelo órgão. A redução de atividade nesses pontos que a psilocibina causa poderia ser responsável, portanto, pelos profundos efeitos da droga na consciência, dizem seus autores.

Atividade acima do normal no córtex pré-frontal medial já foi relacionada à depressão. 

Segundo os pesquisadores, isso pode indicar como os supostos efeitos antidepressivos da psilocibina ocorreriam.

O trabalho foi publicado na revista científica "PNAS".

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por que o crack e não outra droga?



Crack é usado por miseráveis porque é barato

 

A explicação é tão simples que parece óbvia, mas para o especialista Dartiu Xavier da Silveira apenas o preço define o fato de que na Cracolância se fuma o crack. A droga vicia tanto quanto qualquer outra, inclusive o álcool, e as taxas de sucesso no tratamento são as mesmas. A diferença é que, neste caso, o “ser miserável” precede o “fumar crack”. Qualquer política de combate ao uso da droga tende ao fracasso, se não for precedida de uma política social conseqüente. Silveira define o lobby da comunidade terapêutica para drogados junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) como “pesado”, e diz que a ação policial na Cracolândia é simplesmente “política e midiática”. A reportagem é de Maria Inês Nassif.

São Paulo - O grande equívoco da ação policial do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura da capital na chamada Cracolândia, o perímetro onde se aglomeram moradores de rua e dependentes de crack na cidade, definiu, de cara, o fracasso da operação: o poder público partiu do princípio de que a droga colocou aqueles usuários em situação de miséria, quando na verdade foi a miséria que os levou à droga. Esse erro de avaliação, segundo o psiquiatra e professor Dartiu Xavier da Silveira, por si só já desqualifica a ação policial. 

Professor do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (PROAD), Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Silveira há 25 anos orienta pesquisas com usuários de drogas e moradores de rua, normalmente patrocinadas pela Organização das Nações Unidas, e tem sido consultor do Ministério da Saúde na definição do Plano de Combate ao Crack. Nas horas vagas, ele desmistifica os argumentos usados pela prefeitura, município e uma parcela de psiquiatras sobre usuários de drogas. 

A primeira contestação é essa: o abandono social vem antes, o crack vem depois. E a política social tem que preceder qualquer ação junto a essa comunidade, inclusive a médica. 

Outras desmistificações vêm a tiracolo. O crack é droga pesada, concorda ele, mas o dependente da droga tem as mesmas chances de cair no vício do que um usuário de álcool, por exemplo. “Em qualquer droga existem os usuários ocasionais e os dependentes”, diz o médico. Inclusive no caso do crack. O tratamento por internação compulsória de qualquer uma – álcool, cocaína etc – situa-se na ordem de 2%, ou seja, 98% dos usuários internados compulsoriamente, inclusive os de crack, não conseguem manter abstinência. O tratamento ambulatorial garante a maior taxa de sucesso, de 35% a 40% dos usuários tratados. Isso também vale para os usuários de crack. 

Daí, outra mistificação é derrubada pelo médico: não se joga simplesmente fora os outros 60% a 65% que não vão conseguir se manter abstinentes. Do ponto de vista da saúde pública, é um ganho se o usuário se beneficiar de uma política de redução dos riscos. “O usuário não vai parar, mas pode reduzir o uso e até estudar ou trabalhar”, afirma. Isso vale também para o viciado em crack. 

Por que o crack e não outra droga? Porque a população miserável só pode comprar o crack. Existem usuários de classe média, concorda Silveira, mas crack, pobreza e população em situação de rua são situações que convergem. “A gente sempre tem essa noção de que a rua é um espaço horrível, e é mesmo, mas em muitos casos a situação da família é tão agressiva que é um alivio para a criança estar fora de casa.”

Com todas essas evidências de que o problema da Cracolândia é fundamentalmente social, Silveira apenas consegue atribuir ações policiais na área e a defesa instransigente que políticos e profissionais de saúde fazem da internação compulsória como ligadas a “causas menos nobres”. Que envolvem também interesses econômicos de alguns médicos.

CARTA MAIOR: Como o crack pode deixar de ser tratado como um caso de polícia para tornar-se política pública?

DARTIU XAVIER DA SILVEIRA: Essa ação (policial) na Cracolândia começou com um equívoco básico, que é atribuir aquela situação à presença da droga. É como se a droga tivesse colocado aquelas pessoas em situação de miséria, e isso não é verdade. Todos os estudos feitos com população de rua mostram que, na realidade, o que leva essas pessoas ao crack é a exclusão social, a falta de acesso à educação, saúde e moradia, ou seja, a privação da própria cidadania e identidade. Isto, sim, é um fator de risco para a droga. A droga vem porque tem um prato cheio para florescer. A droga é consequência, não é causa disso.

CARTA MAIOR: Então, essa história de que o crack está atingindo as famílias de classe média no geral é uma bobagem?

SILVEIRA: Ela atinge também a classe média, mas não com a gravidade com que atinge as pessoas mais pobres, porque a situação delas é grave do ponto de vista social, não apenas do ponto de vista do consumo da droga. É uma população mais vulnerável. E por que é o crack? Porque é a droga mais barata para essa população mais miserável. Se fosse na Europa não seria o crack. As populações excluídas da Europa do Leste também abusam, mas de heroína ou de álcool, porque lá crack seria muito caro. Mas essa é a situação que se vê no mundo inteiro entre as populações excluídas. O abuso de drogas é igual, só que a droga usada é a mais barata. Por conta desse equívoco básico, existe esse discurso que diaboliza o crack, faz da droga a causa de tudo. 

CARTA MAIOR: A política social, então, deve preceder qualquer outro tipo de política?

SILVEIRA: Exatamente. Existe outro dado alarmante, e as pessoas se esquecem disso, que é um dado epidemiológico. As pesquisas mostram: pode pegar qualquer droga, lícita ou ilícita – álcool, cocaína, qualquer substância. Existem sempre os usuários ocasionais e as pessoas que são dependentes. E isso ocorre também com o crack. Até para drogas pesadas existem usuários ocasionais. Do ponto de vista médico, as pesquisas são direcionadas para entender isso: por que, por exemplo, pessoas conseguem beber socialmente e outras viram alcoólatras. Por que tem gente que consegue cheirar cocaína esporadicamente e tem gente que é dependente? As respostas são muito parecidas. O que vai diferenciar um usuário ocasional de um dependente são outros fatores que não têm nada a ver com a droga: se a pessoa tem outro problema psíquico associado, como depressão e ansiedade, e começa a usar o álcool e a cocaína para resolver problemas, ou situações de muito stress... Numa situação como a das pessoas que vivem na Cracolândia, ser morador de rua já é, por si só, uma situação de risco.

CARTA MAIOR: No caso de criança é uma situação de abandono completo? Não dá para imaginar uma criança com grande problema psíquico ou stress em condições minimamente normais, não é?

SILVEIRA: Sim, é uma situação de abandono completo. O stress que estou falando é de forma geral, que afeta também a classe média. Na situação da Cracolândia, o abandono é fundamentalmente a situação de risco. Têm crianças de classe média que abusam de algumas drogas também, mas elas normalmente vêm de famílias muito desestruturadas, têm pais muito agressivos. Esse não é um ‘privilégio’ da classe desfavorecida. Mas numa situação extrema de crianças de rua, o risco é altíssimo, porque essa criança é privada de tudo.

CARTA MAIOR: Como é a família de uma criança de rua e usuária de droga? Ela tem alguma possibilidade de reatar laços afetivos?

SILVEIRA: Algumas famílias têm condições, e quanto a gente identifica essa possibilidade, faz a intermediação. Outras famílias, não. A gente tem sempre essa noção de que a rua é um espaço horrível – e é mesmo horrível morar na rua – mas em muitos casos a situação da família é tão agressiva que ir para a rua é um alívio para a criança. Por exemplo, muitas crianças vão para a rua porque não aguentam o abuso sexual dentro de casa, por parte do pai, ou do irmão mais velho. Ir para a rua pode ser uma progressão positiva, pode representar escapar de uma situação muito inóspita de vida. Tem uma situação até emblemática, relatada em um trabalho que fizemos com adolescentes de rua. Identificamos vários adolescentes usando drogas. A uma delas, a gente perguntou: por que você usa droga, o que você está procurando na droga? A resposta dela foi um tapa na cara da gente. Ela virou e disse: ‘olha, tio (veja você, uma cabecinha de criança, me chamando de tio), eu nem gosto muito do efeito da droga, mas o problema é que para eu sobreviver na rua eu preciso me prostituir, e para eu suportar uma relação sexual com um adulto só sob o efeito de droga.’ Agora, como dizer que a droga é um problema na vida dessa menina? A droga é uma forma de solução, para ela conseguir sobreviver. A droga já é consequência de uma situação de prostituição que ela foi obrigada a encarar por omissão do Estado, da sociedade como um todo. O depoimento dessa menina torna todas essas justificativas para as ações feitas na Cracolândia uma hipocrisia, uma total falta de sensibilidade para reconhecer o fenômeno.

CARTA MAIOR: Outro mito do crack é que é a droga definitiva, que é impossível livrar-se dela. Isso é verdade?

SILVEIRA: É um mito completo. Ela não é uma droga pior que heroína, que a cocaína, em termos de grau de dependência. É difícil sair? É, mas é difícil como qualquer droga. O crack não é pior. 

CARTA MAIOR: Então, para essa população, a questão é muito mais uma política social do que médica.

SILVEIRA: Exatamente. Por isso que os trabalhos mais bem-sucedidos são os feitos in loco, por meio de educadores de rua, desses agentes de saúde. Não são médicos que vão fazer uma consulta médica na rua. A gente chama de consultório de rua mas não é um consultório. A equipe vai investigar o que está acontecendo caso a caso, se a pessoa está com falta do quê, de lugar para morar, ou o problema é o relacionamento com a família, ou o problema é assédio de algum tipo, por parte de alguém. É uma coisa mais social, mesmo.

CARTA MAIOR: É um encaminhamento de assistência social e os profissionais de saúde só entram quando for o caso para aquela pessoa?

SILVEIRA: Frequentemente os aspectos psicológicos são muito relevantes, porque essas crianças estão psicologicamente abaladas – não apenas elas, aliás, mas os jovens, os moradores de rua em geral. Mas a intervenção médica, mesmo nesses casos – e não estou desqualificando a importância dela – não é primordial.

CARTA MAIOR: Então a intervenção médica é só para casos extremos.

SILVEIRA: Exatamente.

CARTA MAIOR: E desde que não seja internação compulsória?

SILVEIRA: Desde que não seja compulsória. As experiências de internação compulsória são simplesmente um fracasso. As taxas de insucesso chegam a 98%. Na hora que você interna compulsoriamente uma pessoa, ela não vai ter acesso à droga porque está em isolamento social. Nessa condição, é fácil para um dependente se manter abstinente. Na hora que sair de lá e voltar para os problemas da vida, no entanto, essa pessoa recai. 98% recaem. Isso, sem questionar que o governo não tem equipamento para fazer internação compulsória de todo mundo. As internações são feitas geralmente em verdadeiros depósitos de drogados. Parecem mais um campo de concentração do que uma estrutura hospitalar.

CARTA MAIOR: E é tudo privatizado, não é?

SILVEIRA: E a privatização não melhorou nada essa situação. Os hospitais psiquiátricos privados têm um custo baixíssimo. A economia é feita com a contratação de pessoal. Não existem equipes adequadas para tratar esses dependentes. É um trabalho muito porco, de segunda categoria.

CARTA MAIOR: Esse atendimento privado se misturou muito com religião?

SILVEIRA: Sim, e isso não é bom. Eu não tenho nada contra religião, não é uma questão de princípio, mas o que se vê são diversos grupos religiosos montando o que eles chamam de “comunidades terapêuticas” que partem do princípio de que só a intenção e a conversão religiosa são fator de cura. A maioria dos casos não tem bom resultado. E por quê? Porque a gente sabe que o melhor tipo de tratamento para a dependência química é feito por uma equipe multidisciplinar. A grande maioria das comunidades terapêuticas não tem equipes para trabalhar com dependentes.

CARTA MAIOR: O relatório do Conselho Federal de Medicina sobre as clínicas de tratamento para drogados é impressionante.

SILVEIRA: O relatório é dramático. E é verdadeiro. No relatório tem até denúncias de abuso, espancamento, maus-tratos a pacientes, ou seja, não são pessoas minimamente capacitadas para darem conta do problema que estão lidando com os usuários nesses lugares.

CARTA MAIOR: Isso acaba sendo a reintrodução do manicômio, mas para dependente químico?

SILVEIRA: Exatamente. A Lei Antimanicomial vai por água abaixo, porque o sistema manicomial está voltando sob a justificativa de que a droga demanda uma intervenção urgente. E isso não é verdade.

CARTA MAIOR: Isso está sendo um motivo de discórdia grande dentro da sua área de especialidade? Não faz muito tempo, a luta pela Lei Antimanicomial foi abraçada como uma luta pelos Direitos Humanos.

SILVEIRA: E a lei foi um ganho muito importante. Só vou abrir parênteses nessa questão: eu não sou contra a internação, eu interno meus pacientes, mas apenas quando eles precisam. Eu não interno por questão social, ou porque a família está me pressionando, ou porque não se aguenta o paciente em casa. Os abusos que se cometiam nessas internações, isso acho intolerável, se internava muito mais do que era necessário. Hoje em dia se interna ainda, é importante ter espaços de internação, mas é para casos excepcionais, não para a regra. É para surto psicótico ou risco de suicídio. Ponto. Não tem outra aplicação.

CARTA MAIOR: Dos programas que estão sendo anunciados por município, Estados e União, tem algum que não assume essas orientação da internação compulsória?

SILVEIRA: Os programas de intervenção mais eficazes para dependentes são os que adotam o modelo ambulatorial, onde o paciente aprende a se manter abstinente convivendo em sociedade, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar. Essa proposta estaria plenamente contemplada nas orientações do Ministério da Saúde e dentro da filosofia do Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS), e existe um número mínimo de CAPS para fazer esse trabalho. O problema, no entanto, são as equipes dos CAPS – falta gente e falta gente bem treinada. Existem exceções, é lógico, como o da Água Funda, um modelo que deu muito certo. Porque não é desumano.

CARTA MAIOR: Ainda assim os resultados são melhores do que a internação compulsória?

SILVEIRA: Em regra, os melhores resultados, em relação à dependência química, giram em torno de 35% a 40%, contra os 2% da internação compulsória. Os que sobram, de 60% a 65%, no entanto, não podem ser apenas considerados um fracasso e pronto. O que nós aprendemos nos últimos anos é que mesmo as pessoas que não conseguem ficar em abstinência podem se beneficiar de política de redução de danos. Esse usuário pode não vai ficar completamente abstinente, não vai parar, mas vai se drogar com uma frequência menor, em circunstâncias de menos risco. Do ponto de vista da saúde pública, é um avanço se esse usuário for mantido em condições de estudar, trabalhar, levar uma vida normal.

CARTA MAIOR: A internação ajuda a desintoxicação inicial, ao menos?

SILVEIRA: A desintoxicação não precisa ser feita na internação, e se as pessoas forem internadas, o ideal é que não ultrapasse os 90 dias. Para a grande maioria das pessoas, é possível fazer a desintoxicação com medicamentos que tiram a crise de abstinência. Elas podem levar vida normal. Isso já é possível com o avanço da medicina. Os CAPS-AD (específicos para dependentes de álcool e drogas) têm esse tipo de medicação, mas poucas equipes capacitadas a administrá-las.

CARTA MAIOR: Se as diferenças de resultado são tão grandes, por que ainda se defende a internação?

SILVEIRA: As causas para defesa da internação não são nada nobres. Em primeiro lugar, acho que a ação feita na Cracolândia foi uma mera ação política e midiática. Para uma população menos informada, a impressão que se tem, numa ação policial como essa, é que o poder público está desempenhando muito bem suas funções. A grande maioria das pessoas que defende a internação compulsória ou é despreparada, ou é de médicos que têm interesses econômicos nisso. Como o SUS (Sistema Único de Saúde) não tem leitos para atender uma demanda dessa, vai ter que contratar leitos de hospitais particulares. E isso interessa a muitos médicos.

CARTA MAIOR: O lobby das clínicas é pesado, então?

SILVEIRA: A atual gestão do Ministério da Saúde é muito séria e está tentando fazer o melhor possível, mas enfrenta uma série de problemas. O pior deles é, de fato, o grande lobby da comunidade terapêutica para drogados junto ao SUS. O Ministério está sendo obrigado a engolir goela abaixo essas pressões, em prejuízo de seu próprio projeto, que é muito mais eficiente

sábado, 21 de janeiro de 2012

MG desarticula Cracolândia com atendimento de rua



Minas Gerais desarticula Cracolândia com atendimento aos usuários

Secretaria de Políticas Antidrogas do Estado diz que ação tem como objetivo diferenciar usuários de traficantes

Denise Motta, iG Minas Gerais | 21/01/2012 08:00

Há um ano, dezenas de pessoas tomavam as ruas da Cracolândia de Minas Gerais. Assim como em São Paulo, usuários de drogas perambulavam pelos arredores do IAPI, conjunto habitacional de Belo Horizonte, construído na década de 1940, durante a gestão de Juscelino Kubitschek.
Foto: Herbert Mitraud/DivulgaçãoAmpliar
Cracolândia de BH fica próxima a um conjunto de prédios tombado pelo patrimônio
No último dia 17, no entanto, o iG presenciou apenas dois usuários nesta região. Diferentemente do que ocorre em São Paulo, os usuários não foram afastados pela Polícia Militar. Eles estão sendo abordados por assistentes sociais do governo e alguns toparam enfrentar um tratamento.
No segundo semestre do ano passado, o governo estadual e a Prefeitura de Belo Horizonte implementaram atendimento de saúde itinerante para os usuários de drogas.
O primeiro foco do trabalho foi justamente nos arredores do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, o IAPI, que ficou conhecido como a Cracolândia da capital mineira, no dia 3 de agosto. O local fica no Bairro São Cristóvão, região noroeste da capital.
Foto: Herbert Mitraud/ Divulgação
Conjunto IAPI foi construído na gestão de JK prefeito e seus arredores foram tomados por usuários de drogas

O subsecretário de Políticas Antidrogas do governo estadual, Cloves Benevides, conta que as ações do poder público têm como característica diferenciar usuários de traficantes. Questionado sobre a ação do poder público em São Paulo para dar fim à Cracolândia paulista, Benevides classificou a medida como “confusa”.
 “É preciso um planejamento antecipado. Não consigo precisar o que falhou em São Paulo, mas o caso é grave, tem um dimensão que não existe similar no Brasil. É preciso ter em mente que uma ação deste tipo é uma ação de saúde, não apenas de abordagem policial", diz o subsecretário.
Tratamento
Um dos usuários acolhidos nos arredores do IAPI foi Natal Pereira de Souza, de 22 anos. Há seis meses ele faz tratamento para se livrar do vício. “Com o crack, eu não tinha força para mais nada, só pensava na morte. Estava morando na rua quando resolvi aceitar ajuda. Olhava carro e pedia dinheiro para comprar a droga. Fumava umas 20 pedras por dia e, quando não tinha, bebia. Nem consigo descrever a sensação da bebida. Era horrível”, conta.
Foto: Divulgação
Usuários de drogas da Cracolândia de BH recebem atendimento em programa do governo estadual

Vivendo na rua, sem comer e tomar banho, o rapaz se agarrou à oportunidade de largar o vício que mantinha desde os 16 anos. Tudo começou com maconha, passou pelo loló e cocaína até chegar no crack.
O atendimento de Natal começou pela manhã. Antes de conversar com psicólogo, ele tomou banho, almoçou e cortou os cabelos.
Natal é atendido pelo projeto chamado Rua Livre, uma iniciativa itinerante do governo estadual para abordar usuários nas ruas e oferecer ajuda.
Levantamento divulgado pelo governo indica que 86% dos usuários abordados desde agosto aceitaram ajuda. Ao todo, foram 207 usuários abordados. Destes, 178 aceitaram tratamento na capital e cidades da Grande BH (Santa Luzia, Contagem, Jaboticatubas e Lagoa da Prata). A taxa de permanência no tratamento foi de 63%, de agosto a dezembro de 2011.
Conforme levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em 717 de um total dos 853 municípios mineiros foram identificados consumo de algum tipo de drogas, ou seja 84%. A circulação de crack atinge 511 cidades, 60% do total.
Foto: Confederação Nacional dos Municípios / Observatório do Crack
Mapa do crack de Minas Gerais


Planos emergenciais para combate ao uso de drogas e atendimento aos usuários foram criados por meio de decretos em Minas Gerais, em 2009, 2010 e 2011, consumindo recursos superiores a R$ 117 milhões.
Além disso, o governador Antonio Anastasia (PSDB) determinou, por meio de decreto, que 1% do orçamento de cada secretaria e órgão estadual seja para programas de prevenção ao uso e combate às drogas. Só em 2011, dentro desta perspectiva, foram R$ 70 milhões.
Minas Gerais também integra plano do governo federal de combate ao crack. Serão criados 218 novos leitos e qualificados 75, totalizando 293, em enfermarias especializadas de atendimento às pessoas que sofrem com a dependência de álcool e outras drogas. Outras 43 unidades de acolhimento, sendo 31 para adultos e 12 para crianças e adolescentes também estão nos planos do Governo Federal, em um esforço que consumirá R$ 157,2 milhões.

A assistente social Iris Lourdes Campos Silva, de 53 anos, conta que a recaída é normal entre os usuários de crack e que é preciso muita forma de vontade para deixar o vício. Ela é presidente do Núcleo de Apoio Reviver, em Barão de Cocais (Grande BH) que acolheu Natal e outras tantas pessoas em 10 anos de existência.
“Tem que ter paciência, aceitação, força de vontade e se apegar a Deus. Eu não tenho nem palavras para descrever como estou feliz”, confidenciou ao Natal ao iG, que terá alta no próximo dia 3 de fevereiro, mas passou as festas de final de ano com a família, celebrando a volta por cima.
Muitos que deixam o vício pretendem ajudar quem ainda não enfrentou de frente o problema. Natal diz que o mundo não seria tão ruim se as pessoas conseguissem, como ele se recuperar do vício. E se depender da ajuda dele, o mundo será cada vez melhor: “Agora, eu quero ser luz para as pessoas que estão nas trevas”.